Por Maria do Céu Carvalho Dias*
Fotografia: Miguel Nuno de Carvalho Dias
“Nome dado aos povos semitas originários da península da Arábia (Península do sudoeste da Ásia, situada entre o mar Vermelho e o golfo Pérsico) e hoje, de um modo geral, aos povos do Próximo Oriente que falam a língua árabe, e até a quase todos os povos islâmicos”.
É interessante saber que em Portugal (não sei como é no Brasil) foram sendo nomeados de várias maneiras conforme o ângulo de análise: Muçulmanos (aqueles que se submetem a Deus); Islamitas (os que praticam o islamismo); Maometanos (os que seguem Maomé); Sarracenos (os que conquistaram a Península Ibérica); Mouros (os naturais do Magrebe que se encontravam na Península Ibérica).
Antes de Maomé (nasceu no século VI), estes povos (os beduínos) estavam organizados em tribos e dedicavam-se à caça, à pastorícia, ao tráfico caravaneiro e até a invadir território inimigo, as chamadas razias. Tinham uma religião animista, pois adoravam o sol, a lua, pedras sagradas, a mais importante das quais era a Pedra Negra de Meca. Com Maomé, no século VII, certamente por influência judaico-cristã tudo mudou: no deserto ele foi inspirado por um anjo que o levou a pregar o Islamismo, a segunda maior religião do Mundo. Esta é monoteísta (Alá é o deus único); manda que os crentes rezem cinco vezes ao dia virados para Meca; que façam jejum durante um mês do nascer ao pôr-do-sol (o Ramadão); que vão a Meca pelo menos uma vez na vida. O Corão ou Alcorão, livro sagrado, é a mais importante fonte de jurisprudência islâmica com normas religiosas, alimentares, de vestuário, relativas às mulheres, enfim, de vida. Esta religião deve ser espalhada através da Guerra Santa. A importância do Islamismo é tal, que um momento chave da vida de Maomé – 622, fuga de Maomé de Meca para Medina – passou a ser considerado o início da era muçulmana, como o nascimento de Cristo é o princípio da era de Cristo para o Ocidente. Rapidamente conquistam a Síria, a Mesopotâmia, a Pérsia, o Egipto, a Líbia e, através do Norte de África, chegam â Península Ibérica (Al-Ândalus). Aqui souberam aproveitar a decadência do Reino visigótico que conquistaram em 711. Os Árabes chegaram até às Astúrias (montanhas a noroeste da Península Ibérica), onde se esconderam os povos cristãos peninsulares e donde irá partir mais tarde a expulsão dos invasores (Reconquista Cristã) e daí nascer Portugal (1). Ainda avançaram para norte, no Reino Franco (actual França), mas foram travados em Poitiers (732).
Sabe-se que no Gharb - território que vem a ser Portugal – “a estratégia de ocupação operada nesse território pelas primeiras tropas muçulmanas basear-se-ia mais no estabelecimento de consensos e na elaboração de acordos com as populações”. Procuravam islamizar estas, que se denominarão Moçárabes. Estes gozavam de liberdade de culto, tinham leis próprias, mas direitos limitados e estavam sujeitos a vários impostos. Como havia muitos contactos entre as populações, as marcas árabes são muito diversificadas em toda a Península, como veremos depois.
Durante o movimento da Reconquista, iniciado ainda no século VIII, os Árabes começaram a ser exterminados, ou escravizados. Houve, no entanto, alguns que foram protegidos pelos reis portugueses. Temos como exemplo a carta de foral que em 1170 o rei D. Afonso Henriques deu às populações mouriscas de Lisboa, Almada, Alcácer e Palmela, que se lhe submeteram. Quando eram muitos, como em Lisboa, Setúbal, Loulé, Silves, Beja, etc., viviam em comunas ou comuns governados por um alcaide. Aos bairros chamavam-se mourarias (este nome ainda hoje permanece num dos pitorescos bairros de Lisboa). Como os Judeus, (2) usavam vestuário e sinais específicos. Nestes bairros estavam incomunicáveis com os cristãos entre o pôr e o nascer do sol e a partir do século XIV foram sujeitos a penas graves se contrariassem esta lei. Estas normas foram mantidas durante séculos, mas muitas vezes não eram cumpridas: o rei D. Afonso Henriques teve um filho de uma moura e D. Afonso III uma filha. Ao contrário dos Judeus a principal ocupação era a agricultura, embora também fossem sapateiros, ferreiros, oleiros. Pagavam à Coroa duros impostos: de capitação, pago desde o nascimento; dízima dos produtos colhidos em terra que explorassem; imposto sobre o gado, mel e cera; sobre todos os bens que usassem ou possuíssem; sobre o trabalho; sobre compra e venda, etc., etc. Era uma vida difícil, mas parece que eles não a achavam pior do que quando viviam debaixo do domínio dos seus reis e por isso muitos iam ficando em Portugal. Com D. Manuel I, em 1496, foram apanhados pelo decreto de Expulsão dos Judeus e, ou saíam do país ou se baptizavam, tomando o nome de mouriscos ou mudéjares. Parece que poucos foram acusados de islamismo pelo Tribunal da Inquisição. Todavia nos processos daquele Tribunal aparecem vários, alguns com nomes sesimbrenses e naturais da vila de Sesimbra, apanhados no século XVII nas malhas do Santo Ofício, embora por pouco tempo:
- Manuel Rodrigues, marinheiro, cativo pelos mouros, fez corso contra cristãos, morador no Maranhão, Brasil.
- António Cacheiro, marinheiro, morador em Sesimbra, filho de João Farto e de Catarina Gaspar.
- Sebastião Correia Peixoto, morador em Mazagão, filho de Diogo Preto Peixoto e de Brites de Deus Correia.
Não posso deixar de referir, pela sua crueldade, castigos infligidos aos Árabes: “…que se corte o pé ao mouro que fuja; …que se corte as mãos ao que falsificasse moeda….” Em 1249 o domínio árabe terminou definitivamente no território que hoje é Portugal e só em 1492 no Reino de Granada, em Espanha.
A partir do século XVII há poucas informações de Árabes/Mouros, porque, ou se misturaram com a população portuguesa, ou conseguiram fugir para zonas muçulmanas.
Fotografia: Miguel Nuno de Carvalho Dias
“Nome dado aos povos semitas originários da península da Arábia (Península do sudoeste da Ásia, situada entre o mar Vermelho e o golfo Pérsico) e hoje, de um modo geral, aos povos do Próximo Oriente que falam a língua árabe, e até a quase todos os povos islâmicos”.
É interessante saber que em Portugal (não sei como é no Brasil) foram sendo nomeados de várias maneiras conforme o ângulo de análise: Muçulmanos (aqueles que se submetem a Deus); Islamitas (os que praticam o islamismo); Maometanos (os que seguem Maomé); Sarracenos (os que conquistaram a Península Ibérica); Mouros (os naturais do Magrebe que se encontravam na Península Ibérica).
Antes de Maomé (nasceu no século VI), estes povos (os beduínos) estavam organizados em tribos e dedicavam-se à caça, à pastorícia, ao tráfico caravaneiro e até a invadir território inimigo, as chamadas razias. Tinham uma religião animista, pois adoravam o sol, a lua, pedras sagradas, a mais importante das quais era a Pedra Negra de Meca. Com Maomé, no século VII, certamente por influência judaico-cristã tudo mudou: no deserto ele foi inspirado por um anjo que o levou a pregar o Islamismo, a segunda maior religião do Mundo. Esta é monoteísta (Alá é o deus único); manda que os crentes rezem cinco vezes ao dia virados para Meca; que façam jejum durante um mês do nascer ao pôr-do-sol (o Ramadão); que vão a Meca pelo menos uma vez na vida. O Corão ou Alcorão, livro sagrado, é a mais importante fonte de jurisprudência islâmica com normas religiosas, alimentares, de vestuário, relativas às mulheres, enfim, de vida. Esta religião deve ser espalhada através da Guerra Santa. A importância do Islamismo é tal, que um momento chave da vida de Maomé – 622, fuga de Maomé de Meca para Medina – passou a ser considerado o início da era muçulmana, como o nascimento de Cristo é o princípio da era de Cristo para o Ocidente. Rapidamente conquistam a Síria, a Mesopotâmia, a Pérsia, o Egipto, a Líbia e, através do Norte de África, chegam â Península Ibérica (Al-Ândalus). Aqui souberam aproveitar a decadência do Reino visigótico que conquistaram em 711. Os Árabes chegaram até às Astúrias (montanhas a noroeste da Península Ibérica), onde se esconderam os povos cristãos peninsulares e donde irá partir mais tarde a expulsão dos invasores (Reconquista Cristã) e daí nascer Portugal (1). Ainda avançaram para norte, no Reino Franco (actual França), mas foram travados em Poitiers (732).
Sabe-se que no Gharb - território que vem a ser Portugal – “a estratégia de ocupação operada nesse território pelas primeiras tropas muçulmanas basear-se-ia mais no estabelecimento de consensos e na elaboração de acordos com as populações”. Procuravam islamizar estas, que se denominarão Moçárabes. Estes gozavam de liberdade de culto, tinham leis próprias, mas direitos limitados e estavam sujeitos a vários impostos. Como havia muitos contactos entre as populações, as marcas árabes são muito diversificadas em toda a Península, como veremos depois.
Durante o movimento da Reconquista, iniciado ainda no século VIII, os Árabes começaram a ser exterminados, ou escravizados. Houve, no entanto, alguns que foram protegidos pelos reis portugueses. Temos como exemplo a carta de foral que em 1170 o rei D. Afonso Henriques deu às populações mouriscas de Lisboa, Almada, Alcácer e Palmela, que se lhe submeteram. Quando eram muitos, como em Lisboa, Setúbal, Loulé, Silves, Beja, etc., viviam em comunas ou comuns governados por um alcaide. Aos bairros chamavam-se mourarias (este nome ainda hoje permanece num dos pitorescos bairros de Lisboa). Como os Judeus, (2) usavam vestuário e sinais específicos. Nestes bairros estavam incomunicáveis com os cristãos entre o pôr e o nascer do sol e a partir do século XIV foram sujeitos a penas graves se contrariassem esta lei. Estas normas foram mantidas durante séculos, mas muitas vezes não eram cumpridas: o rei D. Afonso Henriques teve um filho de uma moura e D. Afonso III uma filha. Ao contrário dos Judeus a principal ocupação era a agricultura, embora também fossem sapateiros, ferreiros, oleiros. Pagavam à Coroa duros impostos: de capitação, pago desde o nascimento; dízima dos produtos colhidos em terra que explorassem; imposto sobre o gado, mel e cera; sobre todos os bens que usassem ou possuíssem; sobre o trabalho; sobre compra e venda, etc., etc. Era uma vida difícil, mas parece que eles não a achavam pior do que quando viviam debaixo do domínio dos seus reis e por isso muitos iam ficando em Portugal. Com D. Manuel I, em 1496, foram apanhados pelo decreto de Expulsão dos Judeus e, ou saíam do país ou se baptizavam, tomando o nome de mouriscos ou mudéjares. Parece que poucos foram acusados de islamismo pelo Tribunal da Inquisição. Todavia nos processos daquele Tribunal aparecem vários, alguns com nomes sesimbrenses e naturais da vila de Sesimbra, apanhados no século XVII nas malhas do Santo Ofício, embora por pouco tempo:
- Manuel Rodrigues, marinheiro, cativo pelos mouros, fez corso contra cristãos, morador no Maranhão, Brasil.
- António Cacheiro, marinheiro, morador em Sesimbra, filho de João Farto e de Catarina Gaspar.
- Sebastião Correia Peixoto, morador em Mazagão, filho de Diogo Preto Peixoto e de Brites de Deus Correia.
Não posso deixar de referir, pela sua crueldade, castigos infligidos aos Árabes: “…que se corte o pé ao mouro que fuja; …que se corte as mãos ao que falsificasse moeda….” Em 1249 o domínio árabe terminou definitivamente no território que hoje é Portugal e só em 1492 no Reino de Granada, em Espanha.
A partir do século XVII há poucas informações de Árabes/Mouros, porque, ou se misturaram com a população portuguesa, ou conseguiram fugir para zonas muçulmanas.
A seguir falarei dos muçulmanos hoje (século XX), no Mundo e em Portugal. A herança árabe e as marcas em Sesimbra (onde vivo) serão analisadas posteriormente.
(1) – Ver este blogue: “A cidade berço de Portugal”; “Uma lição de portuguesismo”
(2) – Ver este blogue sobre os Judeus
Bibliografia – Dicionário de História Universal. Dicionário de História de Portugal.
Torres, Cláudio e outro, O Legado Islâmico em Portugal.
* Maria do Céu Carvalho Dias é formada em História pela Universidade Clássica de Lisboa
Parabéns pela fantástica fotografia e pelo rico texto!
ResponderExcluirEdgar Chaves
Portugal é um caldeirão cultural, formado por diferentes povos. A professora Céu mostra nos seus textos o quanto é rico nosso país.
ResponderExcluirMaria João
Que foto linda! Parece uma cidade medieval. Professora, seus textos são sempre muito agradáveis de ler.
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