Por Maria do Céu Carvalho Dias*
Fotografias: Miguel Nuno de Carvalho Dias
Já vimos anteriormente que os Árabes/Muçulmanos entraram na Península Ibérica em 711 e, até 1249 em Portugal e 1492 em Espanha, tiveram uma influência grande em várias áreas, algumas das quais ainda hoje estão a ser estudadas. Todavia é preciso recordar vários aspectos: as marcas são maiores no sul mediterrânico, onde permaneceram mais tempo; durante séculos eles foram encarados como os inimigos dos cristãos e por isso a sua cultura desvalorizada e até destruída, como aconteceu, por exemplo, em Lisboa (Lisbûna em árabe). Neste momento há mais estudos, há muitas escavações e por isso sabe-se que o legado islâmico no território que hoje é Portugal, embora menor que no oriente peninsular (Espanha), é imenso.
Vimos no 1º episódio que o povo árabe nascido na Península arábica, devido ao comércio que praticava e à guerra santa para oriente e ocidente, conheceu vários povos com culturas diversas, das quais fez uma amálgama, originando a cultura islâmica ou árabe. Esta é influenciada por povos tão distintos como gregos, romanos, bizantinos, indianos, persas, egípcios, judeus, hindus e chineses. Da China os Árabes trouxeram para a Europa invenções importantes, como a bússola, um dos contributos para o avanço dos conhecimentos náuticos e geográficos em Portugal. Veio o papel, tendo fundado na Península Ibérica a primeira fábrica europeia; a pólvora, que contribuiu para revolucionar as técnicas militares. Divulgaram conhecimentos matemáticos, filosóficos e científicos, aos quais foram acrescentando novos conceitos de Álgebra, Medicina, Astronomia e Aritmética. Espalharam, por exemplo, o sistema de numeração hindu, a que chamamos árabe ou decimal. À semelhança dos Romanos mantiveram um estilo de vida mediterrânico, urbano, luxuoso, visível, não tanto em Portugal, mas nas mesquitas e nos palácios de Espanha, onde o tamanho, a decoração, os banhos, as fontes e os jardins manifestam fausto e riqueza. No entanto as cidades de Coimbra, Lisboa, Faro, Évora e outras, foram cidades islamizadas, onde ainda se encontram troços de muralhas, portas, traçados urbanos e vestígios de mesquitas. A de Silves (Algarve), por exemplo, foi destruída para construir um templo católico, mas em Mértola – muito interessante – a mesquita passou a igreja, embora com algumas modificações.
A língua portuguesa sofreu maior influência do Latim, então falado pelos romanos, no entanto o árabe é a segunda constituinte da língua portuguesa, do qual recebeu mais de seiscentas palavras. Certamente vão reconhecer vários vocábulos: relacionados com pessoas, como alcaide, almoxarife, alferes, almirante, arrais, alfândega, atalaia, arsenal, harém, oxalá (queira Deus), salamaleque (do árabe”as-salam’alaik”= a paz esteja contigo); ligados à vida rural e à alimentação: azeitona, azeite, arroz, alfarrobeira, alfazema, alface, algodão, açúcar, açafrão, café, limão, açougue, nora, azenha, açude, alqueire, almude, arrátel, arroba; relativos às ciências: algarismo, álgebra; cáravo ou caravela, barco usado pelos portugueses na época dos Descobrimentos (depois do barinel e antes da nau); muitos nomes próprios: Algarve, Aljezur, Albufeira, Alcântara, Alfama, Azóia, Almoinha, Aiana, Alcorão, (o al significa o) etc., etc.
Há obras literárias, várias inéditas, que descrevem Lisboa como uma cidade bonita com palácios, mesquitas, jardins, termas e mercados. Há lendas de mouras encantadas, há poesia, como a de Ibne Amar, poeta de Silves. O Gharb (território muçulmano que vem a ser Portugal) seria certamente um sítio bom para viver, embora, como já referi, os vestígios sejam reduzidos.
Um outro assunto curioso é o dos provérbios ou ditados populares: há-os das mais variadas proveniências quer ocidental, chinesa, indiana, mexicana ou árabe; têm uma força educativa considerável, talvez porque transmitem em poucas palavras a verdade das coisas e são universais; a cultura popular vai-se espalhando e por vezes perde-se a sua origem; também podem chegar através de um povo que lhes dá a paternidade; pode acontecer permanecer o sentido, mas mudarem os intervenientes devido à nova cultura; a influência também pode estar na forma de pensamento ou na organização frásica. Agora vamos a alguns exemplos:
- “Tal pai, tal filho”;
- “Cada macaco em seu galho”;
- “Casa de ferreiro, espeto de pau”;
- “Mais vale um pássaro na mão, do que dois a voar”;
- “Antes só que mal acompanhado”;
- “Os cães ladram e a caravana passa”;
- “Anda mouro na costa”. Recorda as investidas dos piratas berberes na costa portuguesa. Hoje refere-se a alguém que anda a rondar, interessado.
- (Correr) “Seca e Meca”. É nitidamente árabe, pois Seca era a importante cidade de Córdova (Espanha) e Meca a cidade santa. Quer dizer fazer muito e não adiantar nada.
A arte árabe ou moçárabe em Portugal é sobretudo arte móvel, onde os arabescos (motivos geométricos estilizados) são o principal elemento decorativo, embora apareçam também representações vegetalistas e animais; as peças de cerâmica para o dia-a-dia sobressaem nesta produção artística. A influência árabe também se verifica, por exemplo no Palácio da Vila (Sintra), no revestimento de paredes e chãos a azulejo e mosaico, com técnicas específicas e uma linda paleta de cores importadas da Espanha mourisca. Era uma decoração bonita e barata! Se for ao Algarve observe em certas regiões umas chaminés brancas com um rendilhado na parte superior. Embora sejam de hoje, lembram os trabalhos dos árabes que ali viveram.
Das artes da construção – arquitectura militar e civil – nada chegou intacto até nós, mas muito tem sido estudado e até recuperado. Um dos casos relevantes é Mértola, onde tem havido restauros que vão do Bairro à necrópole (espaços funerários) islâmica. Se estudamos património árabe construído é obrigatório recordar a abóbada e o arco de ferradura que embora fosse utilizado na Península Ibérica antes dos islâmicos, passou a ser a sua imagem de marca. Em Portugal este arco aparece do Norte até ao Algarve, embora eu escolha fotografias de Mértola e Silves como exemplo. Já agora não confunda a arte islâmica ou árabe, com a neo-árabe que é uma arte contemporânea (fins do século XIX) que pretendia imitar e recriar com luxo e exotismo a arquitectura muçulmana. Vou enumerar algumas obras neo-árabes: Praça de Touros de Lisboa (1), Salão árabe no Palácio da Bolsa no Porto, Pátio interior da Casa do Alentejo em Lisboa, Pavilhão Mourisco no Rio de Janeiro, Fachada do Mercado Municipal de Campinas. Agora, é preciso visitar e ver, porque as minhas palavras e as imagens são insuficientes.
Próximo episódio: A herança dos Árabes em Sesimbra
Bibliografia – “História da Arte em Portugal”; Torres, Claúdio e outro, “O Legado islâmico em Portugal”.
(1) Ver blogue “O Mundo Apaixonante da Maximafilia, dia 14 de Novembro: http://omundoapaixonantedamaximafilia.blogspot.com/2010/11/praca-de-touros-do-campo-pequeno.html
Leia também os dois primeiros episódios da série sobre os Árabes em Portugal publicada pelo blog Do Capibaribe ao Tejo:
Os Árabes - Origem, expansão e presença em Portugal:
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2010/11/os-arabes-origem-expansao-e-presenca-em.html
Os Árabes/os Muçulmanos – Hoje no Mundo e em Portugal:
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2010/11/os-arabesos-muculmanos-hoje-no-mundo-e.html
Costumes ou tradições árabes:
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2010/11/costumes-ou-tradicoes-arabes.html
* Maria do Céu Carvalho Dias é formada em História pela Universidade Clássica de Lisboa
Ótima pesquisa e belas fotos! Parabéns para a dupla!
ResponderExcluirEdgar Lopes
Esta série está ótima! Parabéns!!!
ResponderExcluirPaloma
Professora,
ResponderExcluirParabéns! Tenho acompanhado a série sobre os árabes. Conheço esses ditados populares menos o "anda mouro na costa" e "Seca e Meca".
Carlos Eduardo
A igreja em Mértola fica na parte baixa da cidade? A fotografia, muito boa por sinal, passa essa leitura. Parabéns ao fotógrafo e a professora Céu.
ResponderExcluirLuíz Carrero
Professora
ResponderExcluirFazer turismo cultural é a forma mais prazerosa de aprender história. Eu infelizmente não tive essa oportunidade. Mas consigo viajar aqui nas suas aulas.
Ana Ferreira
Professora Céu,
ResponderExcluirGostei do texto. Engraçado ler o ditado “Mais vale um pássaro na mão, do que dois a voar”. Aqui no Brasil é igual mas a frase muda um pouco com o emprego do gerúndio: Mais vale um pássaro na mão, do que dois voando".
Gostei das fotos tb.
Professora
ResponderExcluirGostei muito desse série. Há alguma razaão para as casas em Mértola serem todas brancas?
Carol
lol
ResponderExcluirObrigada pela pesquisa. Me ajudou muito!
ResponderExcluirOs Norte Africanos que invadira Portugal/Espanha eram Mouros,Berberes não Árabes
ResponderExcluirExcelente, maravilhosa sua publicação. Cultura e história se entrelaçando
ResponderExcluirMaravilhoso estudo Vou partilhar Adorei
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