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Nasci no Recife, capital de Pernambuco, um dos 26 Estados do Brasil. Sou jornalista diplomada, amante da vida e de tudo que é positivo, verdadeiro e autêntico. Deixei as águas do Capibaribe, o mais famoso rio que banha o Recife. Atravessei o Oceano Atlântico e desaguei no rio Tejo, que acalenta Lisboa. E para aproximar esses dois lugares tão distantes mas com fortes ligações históricas e culturais, dei início a construção desta "ponte" Pernambuco-Portugal.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Avenida Álvares Cabral - Lisboa

Estátua de Pedro Álvares Cabral

Esta Avenida fica na zona da Estrela, Lapa e Rato, na freguesia de Santa Isabel. Se nos reportarmos ao Chiado, (1) podemos considerar que se situa a noroeste deste local; faz a ligação com saídas de Lisboa, por Alcântara e pelas Amoreiras, para o sul, pela Ponte 25 de Abril.

Começa no bonito Jardim da Estrela e termina na Rua de S. Bento, ao Largo do Rato, em tempos denominado Praça do Brasil. Este Largo é a confluência de ruas que levam à Assembleia da República, ao Bairro Alto, à Praça Marquês de Pombal, ao Centro Comercial das Amoreiras, ao Museu Arpad Szenes-Vieira da Silva e ao Reservatório da Mãe de Água das Amoreiras que é, em Lisboa, o depósito das águas trazidas de fora de Lisboa pelo Aqueduto das Águas Livres, construído na primeira metade do século XVIII, porque os lisboetas tinham escassez de água. Quando passou a haver muita água nesta zona, foram construídas a Real Fábrica das Sedas e a Real Fábrica de Loiça do Rato, hoje desaparecidas. A outra extremidade da Avenida é no Jardim da Estrela, como disse. Este foi criado em meados do século XIX, tendo estado na moda como o Passeio da Estrela: canteiros com flora variada, lagos com cisnes, patos e peixes, um café, esculturas várias, em tempos um leão enjaulado e maravilha das maravilhas um coreto verde de ferro forjado (século XIX), onde se podem ouvir concertos no verão. Deste local pode ainda ver-se o rio Tejo, ao longe, e a Basílica da Estrela que foi construída no estilo barroco tardio por arquitectos da Escola de Mafra, Mateus Vicente e Reinaldo dos Santos, durante o século XVIII. Tem duas particularidades interessantes: uma dever-se a sua construção ao cumprimento duma promessa da princesa D. Maria Francisca (D. Maria I), se tivesse um filho varão, o que aconteceu; a outra o ser a primeira Igreja do Mundo dedicada ao culto do Sagrado Coração de Jesus.

Detenhamo-nos agora na Avenida: para além de lojas e restaurantes, encontramos o Liceu Pedro Nunes, escola secundária que em 2009 festejou 100 anos, o Instituto de Cultura e Língua Espanhola, o antigo Jardim Cinema, edifício modernista e com motivos decorativos de art-deco, hoje Salão de Jogos; do lado da Estrela, no início, há um monumento, da autoria do brasileiro Rudolfo Bernardelli, que retrata a descoberta do Brasil, ao apresentar Pedro Álvares Cabral de bandeira em punho e ao vento. É uma réplica do monumento existente no Rio de Janeiro e foi oferecido pelo Brasil a Portugal.

Quem é então Pedro Álvares Cabral? Penso não ser novidade para a maioria que nasceu em 1467 (?) na povoação de Belmonte, (2) na Beira Baixa e que morreu, provavelmente em 1520, na cidade de Santarém, no Ribatejo, onde está sepultado na belíssima Igreja da Graça. Alguns dos seus restos mortais estão desde há um século no Rio de Janeiro.


Castelo de Belmonte -residência da família Cabral. Fotografia: Roberto Leite

Ora o que nos levou a escolher esta Avenida foi o facto de ele ser o descobridor oficial do Brasil. Descendia de uma família nobre, cujas raízes entroncam no seu trisavô Álvaro Gil Cabral (século XIV). O seu bisavô, Luís Álvares Cabral já está ligado à governação de Belmonte. Parece que Pedro A. Cabral saiu ao pai em altura, pois este era conhecido como o “Gigante da Beira” pela sua invulgar estatura, grande corpulência e valentia. Novinho deixou Belmonte e em Lisboa estuda Artes Militares, História, Cosmografia e Marinharia. Nesta época, no Reino, vivem-se já as viagens marítimas e em 1499, depois da chegada da Índia de Vasco da Gama, é nomeado pelo Rei D. Manuel capitão-mor da armada que há-de voltar a Calecut com a missão de estabelecer relações políticas e comerciais, fundando por aquelas paragens o primeiro entreposto comercial português. Também teria sido incumbido de pôr pé no continente brasileiro e oficialmente o publicar, ou teria sido casual a chegada àquelas paragens? Os que acham que foi intencional a rota para ocidente em pleno Oceano Atlântico, defendem que as exigências de D. João II durante as negociações do Tratado de Tordesilhas, a experiência dos marinheiros que iam na frota, o provável conhecimento anterior de terras para Ocidente, só não publicitadas pela política de sigilo devida à concorrência com Castela, Espanha, são a prova disso. Os que pensam que foi casual baseiam-se, por exemplo, na Carta de Pêro Vaz de Caminha que em seguida usaremos. Quando foi nomeado por D. Manuel já várias viagens de conquista e descobrimento tinham sido realizadas, mas a armada de Pedro Álvares Cabral foi a mais bem equipada pois eram dez naus, três caravelas e milhar e meio de homens, alguns, como Bartolomeu Dias, experimentados e conhecedores do mar e dos seus segredos. Vão chegar ao continente sul-americano a que vão chamar Terra ou Ilha de Vera Cruz. Continuam para a Índia, mas antes Álvares Cabral manda regressar a Portugal uma embarcação chefiada por Gaspar Lemos com a boa nova e a importante carta de Pêro Vaz de Caminha, escrivão e testemunha presencial, que encerra notícias importantíssimas de cariz histórico e antropológico. Vou agora transcrever algumas passagens desta Carta dirigida ao Rei D. Manuel:
“Senhor, posto que o capitão-mor desta vossa frota e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, [prova da casualidade?] que se ora nesta navegação achou, não deixarei de dar disso minha conta. …
E assim seguimos nosso caminho … até terça-feira d’oitavas de Páscoa, que foram 21 dias d’Abril, que topámos alguns sinais de terra … os quais eram muita quantidade d’ervas compridas. … E à quarta-feira seguinte, pela manhã, topámos aves. … E neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra, isto é, primeiramente d’um grande monte, mui alto e redondo, e d’outras serras mais baixas a sul dele e de terra chã com grandes arvoredos, ao qual monte alto o capitão pôs nome o Monte Pascoal e à terra a Terra de Vera Cruz. …
[5ª feira, 23 de Abril] E dali houvemos vista d’homens, que andavam pela praia, de 7 ou 8. … E o capitão mandou no batel, em terra, Nicolau Coelho, para ver aquele rio…. Eram ali 18 ou 20 homens, pardos, todos nus, sem nenhuma cousa que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos e suas setas… Somente deu-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de linho, que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe deu um sombreiro de penas d’aves, compridas, com uma copazinha pequena de penas vermelhas e parda, como de papagaio. … E tomou em uma almadia dous daqueles homens da terra, mancebos e de bons corpos. … Trouve-os logo, já de noute, ao capitão, onde foram recebidos com muito prazer e festa. … Traziam ambos os beiços de baixo furados e metido por eles um osso branco de comprimento duma mão travessa… Os cabelos seus são corredios e andavam tosquiados de tosquia alta mais que de sobre-pente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. ... Acenderam tochas e entraram e não fizeram nenhuma menção de cortesia nem de falar ao capitão nem a ninguém. Um deles, porém, pôs olho no colar do capitão e começou d’acenar com a mão para terra e despois para o colar, como que nos dizia que havia em terra ouro. E também um castiçal de prata…um papagaio pardo…um carneiro, não fizeram dele menção. Mostraram-lhes uma galinha, quase haviam medo dela. ... Andavam ali muitos deles. … Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos, pelas espáduas; e suas vergonhas tão altas e tão çarradinhas e tão limpas das cabeleiras que de as nós muito bem olharmos não tínhamos nenhuma vergonha…
[Domingo, 26 de Abril] Ao domingo de Pascoela, pela manhã, determinou o capitão d’ir ouvir missa e pregação naquele ilhéu….
Beijo as mãos de vossa Alteza. Deste Porto Seguro, da vossa ilha da Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de Maio de 1500. Pêro Vaz de Caminha”

Espero que vos tenha agradado esta leitura e que numa vinda a Lisboa possam passar por esta Avenida.

Fontes – 1 e 2: ver este blogue. Caminha, Pêro Vaz, Carta a el-rei dom Manuel sobre o achamento do Brasil. Dias, Luiz Fernando de Carvalho, Conferência no V Centenário do nascimento de Pedro Álvares Cabral, realizada no Real Gabinete Português de Leitura, Rio de Janeiro. Dicionário Ilustrado da História de Portugal. História da Arte em Portugal. http://www.revelarlx.cm-lisboa.pt Ruas de Lisboa com alguma História

Veja neste blog os outros episódios da série Praças e Ruas de Lisboa:
- Praça D. Pedro IV:
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2011/01/praca-d-pedro-iv-mais-conhecida-por.html
- O Chiado:
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2011/01/o-chiado-lisboa.html

* Maria do Céu Carvalho Dias é formada em História pela Universidade Clássica de Lisboa

4 comentários:

  1. Visitei Lisboa no ano passado e fiquei hospedada na Avenida da Liberdade. Ela vai ser abordada nessa série também?
    Carolina Pereira

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  2. Estou em Alemanha e sempre visito este blog. Adoro quando encontro as aulas da professora Céu. Estudar História é viajar através do tempo e dos lugares. Parabéns!
    Antônio Correia

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  3. Professora
    Parabéns pela brilhante aula de História!

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  4. Professora
    Preciso visitar Lisboa novamente. Não lembro ter passado por esta avenida. Ela está nos roteiros turísticos? Fiz aquele tour de ônibus por Lisboa mas não me recordo desse lugar.
    Parabéns!
    Maria do Carmo Freitas

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