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Santuário de Nossa Senhora da Nazaré
Por Maria do Céu Carvalho Dias
Fotografias: Miguel Nuno de Carvalho Dias
A praia da Nazaré fica no litoral oeste português, a pouco mais de uma hora a norte de Lisboa. Faz parte do distrito de Leiria e tem mais de 10000 habitantes. É uma povoação só com mais de dois séculos, havendo anteriormente o Sítio e a Pederneira (hoje somente um bairro ou lugar da Nazaré). A Pederneira, sede municipal até fins do século XIX, foi de primordial importância como porto de mar, pois forneceu durante séculos a Corte portuguesa sediada em Lisboa e outras regiões, com produtos marítimos e rurais dos Coutos (terrenos ou propriedades) do Mosteiro de Alcobaça (1).
Sob o ponto de vista paisagístico a Nazaré é imponente com o seu promontório (2), a encosta com um elevador de mais de 100 anos (3), a vila a espraiar-se ao longo do areal e até a visão, no horizonte, da Ilha da Berlenga, única reserva marinha do país. Muito próximo da linha de costa existe um canhão submarino (vale submarino) que é o maior da Europa e um dos maiores do Mundo. É neste lugar que se afundou a 20 de Maio de 1945, à vista de muitas pessoas, um submarino de guerra alemão. Por curiosidade vos direi que naquele dia chegaram a terra vários soldados alemães e que o submarino, ainda em 2004, continuava mudo e quedo no fundo do mar.
Os habitantes vivem essencialmente do mar e do turismo. Do mar, porque a pesca faz parte da sua vida, quer no vai-vem de botes e traineiras, quer na venda e até na seca de peixes pequenos nos chamados “paneiros”. Do turismo, no Verão a acolherem os veraneantes ou até os praticantes de surf e body-board e no Carnaval a organizarem divertimentos variados para os visitantes. Um aspecto interessante é a manutenção, cada vez mais rara, de algumas tradições como o uso de sete saias, avental e blusa pela mulher e ceroulas e camisa de escocês, barrete, cinta e capote pelo homem. A morte era vivida intensamente pelas gentes do mar e o luto prolongadíssimo. Outras questões importantes: a gastronomia à base de peixe e marisco e vários festejos, como os de Setembro, cujo ponto alto é a 8 de Setembro a Festa religiosa e profana de Nossa Senhora da Nazaré.
Imagem de Nossa Senhora da Nazaré
Vou partilhar convosco a origem lendária duma imagem da Virgem com o Menino e desta festa. Nos primeiros tempos do cristianismo, da Nazaré, na Galileia (Palestina), veio uma imagem de Nossa Senhora para o Mosteiro de Cauliniana ou Cauliana, próximo de Mérida, hoje Espanha, que se dizia ter sido esculpida por S. José na presença de Maria. A este convento chegou em 711, disfarçado, o rei visigótico Rodrigo, vencido pelos árabes, no sul da Península Ibérica. O perigo do invasor muçulmano obrigou-o a partir para Oeste com o abade do Mosteiro, levando a imagem da Virgem e relíquias de santos. Andaram, andaram até que avistaram mar e dois promontórios; separaram-se, ficando cada um em seu monte, levando o monge a imagem e as relíquias para uma gruta no promontório do Sítio, embora mantendo até à morte comunicação com o seu companheiro rei. Continuemos a contar a lenda: Mais tarde uns pastores encontraram na gruta a imagem e um pergaminho explicativo, passando Nossa Senhora a ser venerada. Em 1182, reinava D. Afonso Henriques e era alcaide-mor do castelo de Porto de Mós D. Fuas Roupinho. Ora é neste ano, que D. Fuas, numa manhã enevoada, se perdeu dos companheiros de caça perseguindo um veado e chegou mesmo, mesmo ao extremo do promontório do Sítio; como conhecia e venerava a imagem da gruta, pediu-lhe auxílio, o cavalo ficou suspenso só com as patas traseiras no chão e o veado caiu no mar. Diz a lenda que o veado era o demónio e que D. Fuas como forma de agradecimento, imediatamente mandou erigir uma capelinha no local onde estava a gruta com a imagem de Nossa Senhora da Nazaré (daí o topónimo Nazaré). Hoje podemos visitar no Sítio da Nazaré a Capela da Memória e o local onde, segundo a lenda, o cavalo pisou o bico do “Milagre” ou “Suberco”, no promontório.
Como o culto a Nossa Senhora da Nazaré se desenvolveu muito, o rei D. Fernando (filho de D. Pedro I), no século XIV, mandou construir no Sítio um Santuário para onde foi a imagem da Virgem. As romagens, denominadas Círios, deram ao culto uma projecção cada vez maior. Até os reis e a família real visitavam frequentemente o Sítio, onde mandaram edificar um Paço Real; os navegadores, como Vasco da Gama, vinham pedir a protecção da Virgem para as suas grandes viagens.
Muitas réplicas da imagem foram esculpidas e o culto mariano e nazareno espalhou-se pelo mundo. Como exemplo, provavelmente vosso conhecido, é a festa em Belém do Pará, Brasil, com o nome Círio da Nazaré.
No fim do século XVI o rei D. Sebastião mandou construir o forte de S. Miguel para a protecção da povoação, ainda não denominada Nazaré, contra a pirataria marítima. Já no século XIX as Invasões Francesas foram um flagelo para aquelas populações.
Termino referindo as razões que me levaram a escrever este texto: O pedido de alguns seguidores do blogue da Patrícia que não conhecem esta lindíssima terra e o prazer que me dá falar sobre a minha terra, a de muitos dos meus antepassados e a dos meus filhos. Visite a Nazaré, pois será um deleite para a alma e para o corpo.
Notas - (1) É neste Mosteiro que estão sepultados D. Pedro e D. Inês.
(2) Rever neste blogue uma fotografia da Nazaré, tirada no Sítio da Nazaré.
(3) Ver no blogue “O Mundo Apaixonante da Maximafilia” um postal do elevador.
Maria do Céu Carvalho Dias é formada em História pela Universidade Clássica de Lisboa