Por Maria do Céu Carvalho Dias*
No século XIX e XX encontramos comunidades judaicas em muitas terras portuguesas desde as ilhas açorianas (S. Miguel, Terceira e Faial) a Bragança, passando por Porto, Trancoso, Covilhã, Castelo de Vide, Faro, Belmonte e Lisboa.
Analisemos a comunidade lisboeta que é a maior e cujos membros pertencem na sua maioria ao sector dos serviços. Estas famílias judaicas procuraram fortalecer a sua comunidade, enriquecer e desenvolver Lisboa e Portugal. Sendo um povo religioso, a primeira finalidade que têm é encontrar um local de culto, uma sinagoga. Começaram por se reunir em casas particulares, onde conviviam e realizavam as orações, até existirem várias sinagogas em Lisboa; mas foi em 1904 que a comunidade judaica lisboeta inaugurou a primeira sinagoga (Shaaré Tikvá) construída de raiz, desde a criação da Inquisição.
Nomeemos agora algumas famílias judaicas que se foram fixando em Lisboa e que têm importante papel económico, financeiro, político, social e cultural: Amzalak (ainda no século XVIII Moses ter-se-á fixado em Lisboa e José, falecido em 1804, foi o primeiro judeu conhecido enterrado em Lisboa); Abecassis (Max Moses protagoniza o primeiro casamento realizado na sinagoga Shaaré Tikvá de Lisboa, em 1904); Anahory (curiosamente um dos seus membros – Clara - fez o 1º casamento misto (na realidade não o foi) na Lisboa do século XX ao converter-se ao catolicismo e ser obrigada a mudar de nome, sendo então abandonada pela família); Benoliel (Joshua foi um reconhecido jornalista e fotógrafo, sendo mesmo considerado o pai do fotojornalismo português); Levy (Hannah, entre outros familiares, desenvolveu instituições judaicas, sobretudo ligadas à educação e à solidariedade); Ruah (por exemplo Joshua Gabriel que é reconhecido como médico urologista, pintor, fotógrafo); Bensaúde (Alfredo, a convite de ministro republicano, é o fundador duma das escolas superiores mais importantes e conceituadas de Portugal – o Instituto Superior Técnico).
São membros destas famílias que fundam instituições e associações com o objectivo de expandir o judaísmo e a cultura judaica:
- o Centro Israelita de Portugal e a Comunidade israelita de Lisboa.
- uma Escola israelita.
- um albergue, depois Hospital (1916).
- uma Cozinha económica israelita que decai por 1960.
Publicam Boletins da comunidade judaica, o primeiro dos quais em 1912.
A ligação às origens levou-os a fundar em 1977 a Liga de Amizade Israel - Portugal.
Comunidade de Belmonte
Belmonte fica na Beira Baixa a uns cem kilómetros (muito menos em linha recta) da fronteira espanhola e é a terra da família de Pedro Álvares Cabral, o navegador que chegou ao Brasil em 1500.
Mas falemos da comunidade judaica de hoje, umas duzentas pessoas, constituída essencialmente por comerciantes, feirantes e empresários; ainda em 2000 se escreve sobre ela: “Há um muro invisível que separa os judeus e os cristãos que vivem em Belmonte” (1). Recuando no tempo, já em 1199 era referida no Foral e, segundo alguns investigadores, já estava organizada no século XIII; mas na opinião da historiadora M. José Ferro Tavares isso só terá acontecido no fim do século XV (2).
A lei da expulsão de 1496, de que já falámos, poderia ter levado à fuga dos Judeus belmontenses, mas a verdade é que muitos foram apanhados pelas malhas da Inquisição, mesmo tendo optado pelo criptojudaísmo. Este culto secreto e clandestino, memorizado e modificado para “baralhar o outro”, foi mantido pelas mulheres – “as rezadeiras”.
Durante a 1ª República a tolerância religiosa levou a práticas religiosas mais às claras, mas com o Estado Novo de Salazar de novo se instala a clandestinidade: os rituais mantêm-se, mesmo que simultaneamente se pratique o culto católico. É depois do 25 de Abril de 1974 que esta pequena comunidade se organiza publicamente construindo uma sinagoga, um cemitério e um Museu, fazendo vinho e azeite kosher (segundo a tradição judaica) e estabelecendo relações com os Judeus de Israel para oficializar o judaísmo.
Para terminar vos direi que me chegou às mãos o jornal regional “Notícias da Covilhã” (a Covilhã fica a cerca de 25 Km de Belmonte), de 26 de Agosto de 2010, com a notícia de que a comunidade judaica de Belmonte volta a ter rabino (um chileno) para ensinar hebraico, a Torah, a cultura e a história do povo judaico, presidir às cerimónias religiosas e reunir os Judeus que se afastaram do seu povo e religião.
Próximo episódio: Singularidades/Curiosidades
Fontes específicas:
www.cm-belmonte.pt/Judeus/judeus.html
(1) www.urbi.ubi.pt/020813/edicao/132reportagem_judeus_belmonte.html
(2) Maria José Ferro Tavares, “Os Judeus da Beira Interior: a comuna de Trancoso e a entrada da Inquisição”in Sefarad – Revista de Estúdios Hebraicos, Sefardies y de Oriente Proximo, vols 68 (2008, nº2). “ sefarad.revistas.csic.es“.
*Maria do Céu Carvalho Dias é formada em História pela Universidade Clássica de Lisboa
Leia também o primeiro e o segundo episódios da série "Judeus em Portugal " publicada pelo blog :
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2010/10/os-judeus-origem.html
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2010/10/os-judeus-em-portugal-e-diaspora.html
No século XIX e XX encontramos comunidades judaicas em muitas terras portuguesas desde as ilhas açorianas (S. Miguel, Terceira e Faial) a Bragança, passando por Porto, Trancoso, Covilhã, Castelo de Vide, Faro, Belmonte e Lisboa.
Analisemos a comunidade lisboeta que é a maior e cujos membros pertencem na sua maioria ao sector dos serviços. Estas famílias judaicas procuraram fortalecer a sua comunidade, enriquecer e desenvolver Lisboa e Portugal. Sendo um povo religioso, a primeira finalidade que têm é encontrar um local de culto, uma sinagoga. Começaram por se reunir em casas particulares, onde conviviam e realizavam as orações, até existirem várias sinagogas em Lisboa; mas foi em 1904 que a comunidade judaica lisboeta inaugurou a primeira sinagoga (Shaaré Tikvá) construída de raiz, desde a criação da Inquisição.
Nomeemos agora algumas famílias judaicas que se foram fixando em Lisboa e que têm importante papel económico, financeiro, político, social e cultural: Amzalak (ainda no século XVIII Moses ter-se-á fixado em Lisboa e José, falecido em 1804, foi o primeiro judeu conhecido enterrado em Lisboa); Abecassis (Max Moses protagoniza o primeiro casamento realizado na sinagoga Shaaré Tikvá de Lisboa, em 1904); Anahory (curiosamente um dos seus membros – Clara - fez o 1º casamento misto (na realidade não o foi) na Lisboa do século XX ao converter-se ao catolicismo e ser obrigada a mudar de nome, sendo então abandonada pela família); Benoliel (Joshua foi um reconhecido jornalista e fotógrafo, sendo mesmo considerado o pai do fotojornalismo português); Levy (Hannah, entre outros familiares, desenvolveu instituições judaicas, sobretudo ligadas à educação e à solidariedade); Ruah (por exemplo Joshua Gabriel que é reconhecido como médico urologista, pintor, fotógrafo); Bensaúde (Alfredo, a convite de ministro republicano, é o fundador duma das escolas superiores mais importantes e conceituadas de Portugal – o Instituto Superior Técnico).
São membros destas famílias que fundam instituições e associações com o objectivo de expandir o judaísmo e a cultura judaica:
- o Centro Israelita de Portugal e a Comunidade israelita de Lisboa.
- uma Escola israelita.
- um albergue, depois Hospital (1916).
- uma Cozinha económica israelita que decai por 1960.
Publicam Boletins da comunidade judaica, o primeiro dos quais em 1912.
A ligação às origens levou-os a fundar em 1977 a Liga de Amizade Israel - Portugal.
Comunidade de Belmonte
Belmonte fica na Beira Baixa a uns cem kilómetros (muito menos em linha recta) da fronteira espanhola e é a terra da família de Pedro Álvares Cabral, o navegador que chegou ao Brasil em 1500.
Mas falemos da comunidade judaica de hoje, umas duzentas pessoas, constituída essencialmente por comerciantes, feirantes e empresários; ainda em 2000 se escreve sobre ela: “Há um muro invisível que separa os judeus e os cristãos que vivem em Belmonte” (1). Recuando no tempo, já em 1199 era referida no Foral e, segundo alguns investigadores, já estava organizada no século XIII; mas na opinião da historiadora M. José Ferro Tavares isso só terá acontecido no fim do século XV (2).
A lei da expulsão de 1496, de que já falámos, poderia ter levado à fuga dos Judeus belmontenses, mas a verdade é que muitos foram apanhados pelas malhas da Inquisição, mesmo tendo optado pelo criptojudaísmo. Este culto secreto e clandestino, memorizado e modificado para “baralhar o outro”, foi mantido pelas mulheres – “as rezadeiras”.
Durante a 1ª República a tolerância religiosa levou a práticas religiosas mais às claras, mas com o Estado Novo de Salazar de novo se instala a clandestinidade: os rituais mantêm-se, mesmo que simultaneamente se pratique o culto católico. É depois do 25 de Abril de 1974 que esta pequena comunidade se organiza publicamente construindo uma sinagoga, um cemitério e um Museu, fazendo vinho e azeite kosher (segundo a tradição judaica) e estabelecendo relações com os Judeus de Israel para oficializar o judaísmo.
Para terminar vos direi que me chegou às mãos o jornal regional “Notícias da Covilhã” (a Covilhã fica a cerca de 25 Km de Belmonte), de 26 de Agosto de 2010, com a notícia de que a comunidade judaica de Belmonte volta a ter rabino (um chileno) para ensinar hebraico, a Torah, a cultura e a história do povo judaico, presidir às cerimónias religiosas e reunir os Judeus que se afastaram do seu povo e religião.
Próximo episódio: Singularidades/Curiosidades
Fontes específicas:
www.cm-belmonte.pt/Judeus/judeus.html
(1) www.urbi.ubi.pt/020813/edicao/132reportagem_judeus_belmonte.html
(2) Maria José Ferro Tavares, “Os Judeus da Beira Interior: a comuna de Trancoso e a entrada da Inquisição”in Sefarad – Revista de Estúdios Hebraicos, Sefardies y de Oriente Proximo, vols 68 (2008, nº2). “ sefarad.revistas.csic.es“.
*Maria do Céu Carvalho Dias é formada em História pela Universidade Clássica de Lisboa
Leia também o primeiro e o segundo episódios da série "Judeus em Portugal " publicada pelo blog :
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2010/10/os-judeus-origem.html
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2010/10/os-judeus-em-portugal-e-diaspora.html
Sou portuguesa e moro no Brasil. Bom acompanhar a nossa história pelo blog.
ResponderExcluirMaria João Raposo
Parabéns pelo ótimo trabalho de pesquisa.´Já estive em Belmonte. Fui conhecer a cidade de Pedro Álvares Cabral.
ResponderExcluirEdgar Cohen
A Covilhã é demais!!! Comi muito queijo da serra por lá.Passei um maravihoso reveillon na Serra da Estrela com direito a neve e tudo. A Covilhã é uma mistura de modernidade com tradição. De lá, estiquei até Belmonte, terra de Pedro Álvares Cabral. Há uma praça com a estátua dele e a bandeira linda do Brasil. Pessoal, visitem a Covilhã!
ResponderExcluirParabéns, professora!
Professora,
ResponderExcluirjá estou na espera do próximo episódio!
Katarina Alencar
Professora Céu,
ResponderExcluirTenho amigos judeus e todos são muito disciplinados e determinados.Bom saber mais sobre as diferentes culturas. Meu primo esetve na Covilhã, ele disse que a cidade ja foi um grande polo de lanifícios.