Por Maria do Céu Carvalho Dias
No século V e VI já se tem conhecimento da presença judaica na Península Ibérica (mais tarde Portugal e Espanha). Nos forais dados por D. Afonso Henriques, no século XII, a Lisboa, Palmela, Alcácer e Almada há muitas citações respeitantes aos judeus, cujo número é cada vez maior. Pode-se dizer que “pertenciam” ao rei que os considerava “judei mei”.
Viviam em comunidades chefiadas por um arrabi e em bairros, as judiarias. Estas pegavam com os bairros cristãos, até que D. Pedro mandou entaipar as judiarias. Tinham liberdade de culto dentro dos seus bairros, chegaram a ter um vestuário obrigatório e a paz era mantida à custa de imensos impostos. Assim, como sentiam o corpo e os bens em perigo, dedicavam-se ao comércio, finanças, medicina, astrologia, matemática, artesanato, raramente à agricultura, como se pode verificar, por exemplo, em processos do Tribunal da Inquisição. É que a oposição entre cristãos e judeus vai crescendo, não só por razões religiosas, mas invejas de tipo económico-financeiro e até sentimental. Fazem-se leis anti-humanas, como a proibição de terem criados cristãos, ou de terem “ajuntamento carnal” com cristãs, à semelhança do que o nazismo estabelecerá no século XX entre judeus e alemães.
No século XIV e seguintes, a futura Espanha vai fazendo leis e tomando medidas para exterminar os Judeus ou obrigá-los a converterem-se ao catolicismo. É exemplo gritante, em 1492, a expulsão dos Judeus de Espanha, caso não se convertam à fé cristã, pois serão mortos e os seus bens confiscados. O Portugal de D. João II está atento e abre as portas a este povo, mediante um imposto per capita. Assim os Judeus crescem em número e em algum poder no reino de Portugal.
Todavia em 1496, D. Manuel, por razões político-diplomáticas, decreta a expulsão dos Judeus que não se baptizassem e para evitar a sua fuga (eles fazem muita falta em vários sectores da vida portuguesa) retira-lhes os filhos menores de 14 anos para se baptizarem e serem educados por famílias cristãs. Segundo M. José Pimenta Ferro Tavares dá-se o religiocídio. Surge agora o Cristão-novo: judeu convertido. Cada vez mais terrível é a situação do judeu/cristão-novo, pois o Tribunal da Inquisição é instituído em Portugal em 1536 pelo rei D. João III, até aí defensor do Humanismo renascentista e agora praticante do contra-humanismo.
A fuga (diáspora) dos Judeus vai ser difícil, mas muitos vão para o Norte de África (Marrocos, Fez, Alger, etc), o Império Otomano (Turquia), Goa, cidade portuguesa na Ásia, Itália (Ferrara, Vaticano, etc), Países Baixos “aonde os judeus portugueses acharam melhor estrela …nas cidades mercantis que com humanidade costumavam acolher os estrangeiros” (1). É em Amesterdão que os portugueses fugidos vão ter um papel preponderante, quer religioso, quer cultural e económico relacionado com a indústria de impressão, lapidação de diamantes e outras. Nesta comunidade judaica vão florescer pessoas de alto nível como o filósofo Espinosa (1632-1677).
Deixei para o fim o Brasil, onde Pedro Álvares Cabral chegara em 1500. A colonização começara em 1503 com o judeu Fernão de Noronha que faz um arrendamento de reconhecimento e exploração da costa de Vera Cruz – Brasil. Aquela continua com os primeiros engenhos de açúcar levados por Martim Afonso de Sousa. Não querendo meter a foice em seara alheia direi ainda que os judeus portugueses se espalharam por várias regiões do Brasil. A Pernambuco chegam judeus portugueses e holandeses vindos da Holanda. “Quase todos eles foram assentar seu domicílio em Pernambuco no Arricife e Torres junto a ele e na fortificação nova que os holandeses haviam feito na sua vizinhança (Forte Orange ou de Itamaracá), chamada Cidade Maurícia, de Maurício de Nazão ou Nassau, seu autor”. (1) Estamos no século XVII e alguns destes judeus “brasileiros” foram obrigados a sair devido à expulsão dos holandeses de Pernambuco (2), dirigiram-se para norte – Nova Amesterdão - onde havia a primeira e mais importante comunidade holandesa na América do Norte e que depois de colonizada pelos ingleses é Nova Iorque. Alguns também se fixaram nas Caraíbas – Curaçau, onde desenvolveram a Indústria açucareira.
Foi dramática a vida de muitos Judeus, até que no reinado de D. José I, o Marquês de Pombal estabelece o fim da distinção entre cristãos novos e cristãos velhos (1773) e coloca o tribunal da Inquisição sob a alçada do poder régio, passando a ter novo Regimento, embora só seja extinto em 1821 Dá-se então a liberalização e assimilação. Com o Liberalismo (século XIX) vemos o regresso a Portugal de muitas famílias judaicas espalhadas pelo planeta, embora outras tenham permanecido nas suas terras. A Constituição republicana de 1911 estabelece a liberdade de culto, enquanto no Estado Novo muitos Judeus se sentiram receosos e se espalhou o criptojudaísmo, quer dizer a prática clandestina e sincrética da religião. Com o 25 de Abril de 1974 fica o caminho aberto para a liberdade de culto e para o fim do criptojudaísmo.
É também no século XX que, após a Segunda Guerra Mundial, é fundado o Estado de Israel e que as guerras entre israelitas e árabes palestinianos não têm fim.
Próximo episódio: Algumas comunidades judaicas no Portugal de hoje
(1) Manuscrito de Memória “Da dispersão dos Judeus que saíram de Portugal para diversas partes do mundo”, de A. Ribeiro dos Santos (século XVIII), copiado por Luís Fernando de Carvalho Dias. (2) Praça dos Restauradores neste blogue.
Maria do Céu Carvalho Dias é formada em História pela Universidade Clássica de Lisboa
Leia aqui o primeiro episódio da série "Judeus em Portugal " publicada pelo blog :
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2010/10/os-judeus-origem.html
No século V e VI já se tem conhecimento da presença judaica na Península Ibérica (mais tarde Portugal e Espanha). Nos forais dados por D. Afonso Henriques, no século XII, a Lisboa, Palmela, Alcácer e Almada há muitas citações respeitantes aos judeus, cujo número é cada vez maior. Pode-se dizer que “pertenciam” ao rei que os considerava “judei mei”.
Viviam em comunidades chefiadas por um arrabi e em bairros, as judiarias. Estas pegavam com os bairros cristãos, até que D. Pedro mandou entaipar as judiarias. Tinham liberdade de culto dentro dos seus bairros, chegaram a ter um vestuário obrigatório e a paz era mantida à custa de imensos impostos. Assim, como sentiam o corpo e os bens em perigo, dedicavam-se ao comércio, finanças, medicina, astrologia, matemática, artesanato, raramente à agricultura, como se pode verificar, por exemplo, em processos do Tribunal da Inquisição. É que a oposição entre cristãos e judeus vai crescendo, não só por razões religiosas, mas invejas de tipo económico-financeiro e até sentimental. Fazem-se leis anti-humanas, como a proibição de terem criados cristãos, ou de terem “ajuntamento carnal” com cristãs, à semelhança do que o nazismo estabelecerá no século XX entre judeus e alemães.
No século XIV e seguintes, a futura Espanha vai fazendo leis e tomando medidas para exterminar os Judeus ou obrigá-los a converterem-se ao catolicismo. É exemplo gritante, em 1492, a expulsão dos Judeus de Espanha, caso não se convertam à fé cristã, pois serão mortos e os seus bens confiscados. O Portugal de D. João II está atento e abre as portas a este povo, mediante um imposto per capita. Assim os Judeus crescem em número e em algum poder no reino de Portugal.
Todavia em 1496, D. Manuel, por razões político-diplomáticas, decreta a expulsão dos Judeus que não se baptizassem e para evitar a sua fuga (eles fazem muita falta em vários sectores da vida portuguesa) retira-lhes os filhos menores de 14 anos para se baptizarem e serem educados por famílias cristãs. Segundo M. José Pimenta Ferro Tavares dá-se o religiocídio. Surge agora o Cristão-novo: judeu convertido. Cada vez mais terrível é a situação do judeu/cristão-novo, pois o Tribunal da Inquisição é instituído em Portugal em 1536 pelo rei D. João III, até aí defensor do Humanismo renascentista e agora praticante do contra-humanismo.
A fuga (diáspora) dos Judeus vai ser difícil, mas muitos vão para o Norte de África (Marrocos, Fez, Alger, etc), o Império Otomano (Turquia), Goa, cidade portuguesa na Ásia, Itália (Ferrara, Vaticano, etc), Países Baixos “aonde os judeus portugueses acharam melhor estrela …nas cidades mercantis que com humanidade costumavam acolher os estrangeiros” (1). É em Amesterdão que os portugueses fugidos vão ter um papel preponderante, quer religioso, quer cultural e económico relacionado com a indústria de impressão, lapidação de diamantes e outras. Nesta comunidade judaica vão florescer pessoas de alto nível como o filósofo Espinosa (1632-1677).
Deixei para o fim o Brasil, onde Pedro Álvares Cabral chegara em 1500. A colonização começara em 1503 com o judeu Fernão de Noronha que faz um arrendamento de reconhecimento e exploração da costa de Vera Cruz – Brasil. Aquela continua com os primeiros engenhos de açúcar levados por Martim Afonso de Sousa. Não querendo meter a foice em seara alheia direi ainda que os judeus portugueses se espalharam por várias regiões do Brasil. A Pernambuco chegam judeus portugueses e holandeses vindos da Holanda. “Quase todos eles foram assentar seu domicílio em Pernambuco no Arricife e Torres junto a ele e na fortificação nova que os holandeses haviam feito na sua vizinhança (Forte Orange ou de Itamaracá), chamada Cidade Maurícia, de Maurício de Nazão ou Nassau, seu autor”. (1) Estamos no século XVII e alguns destes judeus “brasileiros” foram obrigados a sair devido à expulsão dos holandeses de Pernambuco (2), dirigiram-se para norte – Nova Amesterdão - onde havia a primeira e mais importante comunidade holandesa na América do Norte e que depois de colonizada pelos ingleses é Nova Iorque. Alguns também se fixaram nas Caraíbas – Curaçau, onde desenvolveram a Indústria açucareira.
Foi dramática a vida de muitos Judeus, até que no reinado de D. José I, o Marquês de Pombal estabelece o fim da distinção entre cristãos novos e cristãos velhos (1773) e coloca o tribunal da Inquisição sob a alçada do poder régio, passando a ter novo Regimento, embora só seja extinto em 1821 Dá-se então a liberalização e assimilação. Com o Liberalismo (século XIX) vemos o regresso a Portugal de muitas famílias judaicas espalhadas pelo planeta, embora outras tenham permanecido nas suas terras. A Constituição republicana de 1911 estabelece a liberdade de culto, enquanto no Estado Novo muitos Judeus se sentiram receosos e se espalhou o criptojudaísmo, quer dizer a prática clandestina e sincrética da religião. Com o 25 de Abril de 1974 fica o caminho aberto para a liberdade de culto e para o fim do criptojudaísmo.
É também no século XX que, após a Segunda Guerra Mundial, é fundado o Estado de Israel e que as guerras entre israelitas e árabes palestinianos não têm fim.
Próximo episódio: Algumas comunidades judaicas no Portugal de hoje
(1) Manuscrito de Memória “Da dispersão dos Judeus que saíram de Portugal para diversas partes do mundo”, de A. Ribeiro dos Santos (século XVIII), copiado por Luís Fernando de Carvalho Dias. (2) Praça dos Restauradores neste blogue.
Maria do Céu Carvalho Dias é formada em História pela Universidade Clássica de Lisboa
Leia aqui o primeiro episódio da série "Judeus em Portugal " publicada pelo blog :
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2010/10/os-judeus-origem.html
Excelente! Brederode, seu blog é muito educativo e cultural. A professora Maria do Céu é show!
ResponderExcluirCatarina Valadares
Professora, estou adorando essa série sobre os judeus. Serão quantos episódios?
ResponderExcluirProfessora,
ResponderExcluirsaudade das suas aulas! Tenho amigos judeus, vou falar sobre a série.
Qualquer tipo de intolerância é inaceitável. Os judeus sofreram muito. Muito legal a idéia dessa série. A professora Céu está de parabéns pelos textos.
ResponderExcluirProfessora Céu
ResponderExcluirA senhora estava de férias? Não vi mais aulas suas por aqui. O ano letivo em Portugal começa em setembro, não é?
Tenho uma dúvida: Pedro Álvares Cabral era judeu? Ele não nasceu numa cidade judaica chamada Belmonte que fica em Portugal?
Sempre ouvi dizer que os judeus eram bons comerciantes. Gosto muito dos seus textos. O tema dessa série é bem interessante.
PAtrícia, seu sobrenome é judeu não é?
Abraços
Carlos Eduardo
Professora,
ResponderExcluirParabéns pelos textos. tenho duas questões para colocar:
1- O Fernão de Noronha é o mesmo Fernando de Noronha que dá nome ao arquipélago pernambucano?
2- em que comunidade judaica nasceu Fernão de Noronha?
obrigada!
Camila Chiapetta
Muito bom o texto.
ResponderExcluirÉ quase certo que P. Álvares Cabral nasceu em Belmonte, embora um estudioso aqui há anos tenha dito o contrário, mas as provas não eram consistentes. Se era judeu julgo que não, porque era de origem nobre e já o seu bisavô era alcaide do castelo de Belmonte.
ResponderExcluirHavia também a dúvida se Fernão e Fernando é a mesma pessoa: é; também pode aparecer com o apelido Loronha e não Noronha; não se sabe a data, nem o local onde nasceu,mas é provável que fosse Évora, cidade onde o pai está enterrado. Diz-se que é judeu cristão-novo,mas também há quem defenda o contrário. Em 1504 o rei D. Manuel doa-lhe e aos seus descendentes a capitania da ilha de S. João que hoje é Fernando Noronha. Era mercador, mas veio a receber brasão, também de D. Manuel.
Maria do Céu Carvalho Dias