A editora

Minha foto
Nasci no Recife, capital de Pernambuco, um dos 26 Estados do Brasil. Sou jornalista diplomada, amante da vida e de tudo que é positivo, verdadeiro e autêntico. Deixei as águas do Capibaribe, o mais famoso rio que banha o Recife. Atravessei o Oceano Atlântico e desaguei no rio Tejo, que acalenta Lisboa. E para aproximar esses dois lugares tão distantes mas com fortes ligações históricas e culturais, dei início a construção desta "ponte" Pernambuco-Portugal.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Curiosidades alimentares


Por Maria do Céu Carvalho Dias*

- É impossível falar-se de comida sem lembrar o Vinho, bebida já referida na Bíblia e nos escritos greco-romanos. Em Portugal produzia-se e exportava-se desde cedo, acompanhava refeições misturado com água, até nos conventos de freiras. Dele diz Erico Veríssimo (1905-1975): “Se eu aceito um cocktail? Oh, madame, eu aceito tudo, inclusive a vida. Bebamos um brinde à vida!” Eça de Queirós (1845-1900) escreveu:” Ah, que dia! Jantei num gabinete do Hotel Central, solitário e egoísta, com a mesa alastrada de (vinhos) Bordéus, champanhe, Reno, licores de todas as comunidades religiosas – como para matar uma sede de trinta anos! Mas só me fartei de Colares.”

- Diz-se que foi D. Pedro que, sem saber, ao mandar matar Pêro Coelho, um dos assassinos de D. Inês de Castro (1), deu dicas para a maneira de cozinhar o coelho: “Tragam cebola, vinagre e azeite para o Coelho” e a seguir ordenou a sua morte tirando-lhe o coração pelo peito. É irónico!

- A Açorda (de marisco, de camarão, de bacalhau, de sável e outras) ou as Migas à alentejana podem estar relacionadas com o passado medieval, em que não se usavam pratos e se colocava o peixe ou a carne em cima de grossas fatias de pão e depois se dava o pão empapado aos pobres. Daqui até à açorda (pão demolhado com azeite, alhos e outro qualquer produto, como ervas de cheiro) foi um passinho.

- O Arroz chegou à Península Ibérica pela mão dos Árabes, no século VIII. Pensando nele como doce ou acompanhamento, ou até prato principal, o escritor Eça de Queirós louva a comida portuguesa desta maneira: “Em palácio algum por essa Europa superfina, se come na verdade tão deliciosamente como nestas rústicas quintas de Portugal. Na cozinha enfumarada, com duas panelas de barro e quatro achas a arder no chão, estas caseiras (mulheres) … guisam um banquete que faria exultar o velho Júpiter…o deus que mais comeu e mais nobremente soube comer, desde que há deuses nos céus e na terra…”

- O Queijo é uma entrada, ou uma sobremesa nas refeições portuguesas e mundiais. É extraordinário fresco ou curado, de vaca, de ovelha, de cabra ou até misturado. Há várias lendas no mundo greco-romano sobre como o Homem aprendeu a fazer este alimento que faz a delícia e a desgraça de muita gente. Basta lembrar o queijo de ovelha da Serra da Estrela, cuja produção é antiquíssima e se prende com o movimento de transumância praticado no centro da Península Ibérica: migrações de pastores com o seu gado (ovelhas e algumas cabras) aproveitando a primavera e o verão nos pastos da Serra da Estrela e o inverno na bacia do Douro, nas zonas planas da Idanha, (Beira Baixa) e até mesmo nos campos de Ourique (Alentejo).

- Outro prato típico de Portugal é a Carne de Porco à Alentejana, originário do Algarve e antes denominada carne de porco com amêijoas. Só que os clientes dos restaurantes criticavam o sabor da carne de porco, pois era alimentado com peixe saído do mar que banha aquela província (Oceano Atlântico). Imaginem o sabor ensardinhado daquelas carnes…Assim, os donos dos restaurantes viram-se obrigados a comprar o porco alentejano e a anunciar carne de porco alentejano com amêijoas. Com o tempo o nome deste prato foi-se modificando para carne de porco à alentejana, embora no Alentejo haja bom porco alimentado a bolota, mas não amêijoas.

-Então ia esquecer o Bacalhau e as milhentas maneiras de o cozinhar! O bacalhau conhecido dos Vikings no século IX; o bacalhau, fiel amigo e indispensável com couves e batatas à mesa da Consoada em Portugal; o bacalhau da Terra Nova que os Portugueses começaram a pescar no século XVI, embora com interrupções, e que teve, talvez, o seu ponto alto nos anos sessenta do século XX. Hoje só pescam 3% das necessidades e desejos da população portuguesa, sendo o resto importado da Noruega. Era tudo organizado em Portugal: havia o Grémio dos Armadores, onde se inscreviam os pescadores. Os barcos bacalhoeiros transportavam para a Terra Nova ou Gronelândia pequenas embarcações, os dóris, que eram comandados por um único homem cada barquinho. As condições eram horríveis, porque se levantavam pelas quatro da manhã, iam pescar à linha no seu dóri, regressavam horas depois para o navio, onde tinham de escalar e salgar o peixe pescado naquele dia. Dormiam umas quatro horas por noite, mal se lavavam e mudavam de roupa durante meses e meses. Era uma vida dramática, longe da família. Li algures que durante a 2ª Guerra Mundial dois daqueles navios foram afundados com trinta e seis pescadores.

- O Cozido à Portuguesa faz-se por todo o país e em todas as casas e é certamente o prato mais antigo e tradicional, pois só precisa dos elementos naturais água, fogo e terra (os produtos que ela dá). Pode ser com mais ou menos produtos, consoante o nível social e a região do país. Também é interessante referir que é extraordinariamente alimentício e os restos ainda podem dar uma sopa de pão ou de massa e outros pratos.

- A Caldeirada é feita com produtos que o mar dá acompanhados de batatas e por isso come-se na costa marítima portuguesa, pode ser mais ou menos rica e dela ainda se pode fazer também uma deliciosa sopa. Vejamos este retrato feito por Jorge Reis: “Com efeito, cheirava que rescendia! Na malga de barro vidrado nadavam postinhas de peixe num molho espesso alaranjado, de súcia com rodelas de cebola e niquinhos de tomate refogados. E viam-se os olhinhos do azeite a catrapiscarem de gozo!”

(1) Ver neste blogue: “ Agora é tarde, Inês é morta”

*Maria do Céu Carvalho Dias é formada em História pela Universidade Clássica de Lisboa

4 comentários:

  1. Muito boa esta série. A professora Céu tem muito competência para repassar de forma simples e clara.

    ResponderExcluir
  2. Professora Céu

    Gosto muito das suas aulas aqui no blog. Acho interessante ver nos seus textos,como o português de Portugal é diferente do do Brasil.
    A senhora explica muito bem os temas.

    ResponderExcluir
  3. Sou estudante de Gastronomia e tenho acompanhado a série sobre a alimentação em Portugal com bastante interesse.A professora consegue resumir os temas sem prejudicar as informações. Parabéns! Ana Letícia Xavier

    ResponderExcluir
  4. O queijo da Serra é uma delícia.
    Parabéns, professora!
    Amanda Vaz

    ResponderExcluir