Por Maria do Céu Carvalho Dias*
Alexandre de Gusmão nasceu em Santos, Brasil em 1695 e faleceu em Lisboa em 1753. Esta rua fica na freguesia de Campolide, o nº 15 no mapa colocado no blogue (1), resultante do desmembramento doutra freguesia lisboeta, já no século XX.
Campolide foi uma área de vinhedos, olivais e pomares com belíssimas águas frescas que eram chamariz da fidalguia lisboeta. É possível que no século XVIII-XIX, ali tenha nascido o fado, e o landum cantado e dançado pelos negros. Os ares eram tão bons que por ali estacionavam pessoas com problemas pulmonares, na esperança de cura. A ordem religiosa dos Jesuítas e, entre outros, o escritor Almeida Garrett e o estadista Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo), conhecido por Carvalhão, devido ao seu poder e cuja toponímia permaneceu na Rua do Arco do Carvalhão, possuíam quintas e casas nesta zona. A origem do nome poderá ser árabe - “Campo de Olide” - nome árabe de homem, ou “campo onde os da lide estão alojados”; a “lide” pode ser de combatentes, ou de camponeses ou até de toureiros; enfim, tantas hipóteses, algumas mais velhas que Portugal. Do património da freguesia de Campolide lembremos a escadaria e a capela do antigo edifício do Colégio dos Jesuítas junto do qual está hoje sediada parte da Universidade Nova de Lisboa e o Aqueduto das Águas Livres começado a construir em 1732 (reinado de D. João V). Ligado à história do Aqueduto estão os crimes de Diogo Alves que será julgado e enforcado em 1841, embora no julgamento nada conste dos ditos crimes no Aqueduto. Na realidade apareciam cadáveres esmigalhados por baixo do Aqueduto e a população culpava Diogo Alves e a sua quadrilha que roubaria e em seguida mataria as pessoas que passavam no Aqueduto; outros diziam que seriam suicídios, porque os mortos continuaram a aparecer até à altura em que fecharam a passagem. Hoje é possível fazer uma visita guiada e calma ao longo do Aqueduto! Esta região, mais ou menos longe do centro da cidade, de tal modo que pouco sentiu o terramoto de 1755, começa a ser verdadeiramente povoada pelos operários da construção do aqueduto, nascendo o Bairro da Liberdade e também o Bairro da Calçada dos Mestres, habitado por trabalhadores um pouco mais qualificados. Por ali combateram os exércitos liberais de D. Pedro (ex-imperador do Brasil) com os absolutistas de D. Miguel. Ali viveram e se esconderam revolucionários na 1ª República e no tempo de Salazar. As linhas férreas e viárias vão contribuir para o desenvolvimento de toda a área e ligá-la definitivamente ao coração de Lisboa.
Vamos por fim conhecer Alexandre de Gusmão, nascido no Brasil colonial, sendo o nono de doze filhos e irmão de Bartolomeu de Gusmão, o inventor da Passarola (2), que o trouxe para Lisboa. Ainda no Brasil tomou o nome Gusmão do seu padrinho Padre Alexandre de Gusmão e na Baía, estudou Latim, Retórica e Filosofia. Já em Paris estudou Direito, conseguindo o bacharelato no seu regresso a Coimbra. No entanto é a carreira diplomática que detém a nossa atenção. Em 1715 encontramo-lo em Paris, como já disse; acompanha o embaixador Conde da Ribeira Grande: passam por Madrid e estudam os problemas relacionados com o Tratado de Utreque e questões entre Portugal e Espanha no sul do Brasil. Esteve incluído numa missão diplomática a França, mas é em Roma que permaneceu sete anos praticamente como embaixador de Portugal na Santa Sé, onde as relações diplomáticas se apresentavam complicadas. Mais tarde entra para o Conselho Ultramarino e é nomeado secretário do rei D. João V, vindo na década de quarenta (quando o rei adoece), a ter um papel proeminente na vida interna e na política externa do país. Escreveu sobre questões económicas, sociais e políticas (por exemplo as relações com a Inglaterra) de Portugal, bem como sobre a história e a geografia do Brasil. Ora é precisamente sobre este país, enquanto colónia, que agora nos vamos debruçar. Alexandre de Gusmão é contemporâneo e entusiasta do desenvolvimento do Brasil na época aurífera e diamantífera e colaborou no estudo e nas medidas tomadas no Conselho Ultramarino sobre aquela colónia. A ele se deve a substituição da cobrança dos quintos pelo sistema tributário da capitação, implantado por Gomes Freire de Andrade e Martinho de Mendonça em Minas Gerais, S. Paulo e comarcas de Goiás e Mato Grosso, embora não tenha solucionado o problema da chegada dos lucros ao Erário Régio, em Lisboa, nem a situação das povoações sediadas naqueles territórios. Calculem que os confrontos que ali houve, terão levado à morte milhares de negros, a mão-de-obra escrava, a quem foram cortadas as orelhas, apresentadas como troféu de guerra. Estava a pensar que os tempos são outros, que as mentalidades mudaram, mas será verdade?
A Alexandre de Gusmão se deve também a implementação de boas relações diplomáticas de Portugal com a França e com Espanha e por isso a possibilidade de ser o orientador e redactor de um projecto de acordo – o Tratado de Madrid (1750) ou dos Limites. Este tratado entre os dois países ibéricos põe em prática o princípio romano – uti possidetis – ou seja, estabelece a posse pelo uso, uma visão em que a topografia ou os acidentes naturais e a ocupação do território é que são dominantes nas negociações. Na verdade o Tratado de Tordesilhas estava completamente ultrapassado, porque os colonos e os bandeirantes tinham penetrado para o interior (ocidente) e para sul, esquecendo o meridiano divisório das terras portuguesas e espanholas em terras de Vera Cruz. Estudos e mapas, alguns pedidos por Alexandre de Gusmão, comprovavam a necessidade de negociações com Espanha, quer no norte amazónico, quer sobretudo no sul, no estuário do rio da Prata. Aqui, no século XVII, a Colónia do Sacramento fora fundada por Portugal, mais tarde ocupada por Espanha e depois recebida de Espanha no Tratado de Utrecht (1715). Sacramento, devido à sua localização na margem esquerda do rio da Prata, frente a Buenos Aires, controlava o comércio da região, desde a prata ao gado, passando também pelo ouro e diamantes. O Tratado de Madrid fez cair o tratado de Tordesilhas, velho de duzentos e cinquenta anos e acrescentou um vasto território ao Brasil estabelecendo a cedência à Espanha da Colónia do Sacramento em troca de uma região situada no interior do actual Uruguai, onde havia aldeamentos índios controlados pelos Jesuítas (As Sete Missões do Uruguai a oeste do actual Rio Grande do Sul); Portugal recebeu também territórios que hoje são Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e outros entre o Guaporé e o Madeira e o Tapajós e Tocantins e resolveu a delimitação territorial na Amazónia. Alexandre de Gusmão negociou e preparou o acordo, pensando certamente numa economia pecuária a par da mineração, mas não foi compreendido nem pelos jesuítas espanhóis, nem pelos contrabandistas que proliferavam na região do Sacramento, nem pelo seu sucessor, o Marquês de Pombal, ministro de D. José que vai anular o Tratado de Madrid. Quer saber mais de Alexandre de Gusmão? Pode acompanhar a Fundação Alexandre de Gusmão em Brasília.
Fontes – 1) ver neste blogue “As freguesias de Lisboa”. 2) É uma aeronave, um aeróstato aquecido a ar quente, o mais antigo do mundo.
Dicionário Ilustrado da História de Portugal. http://www.funag.gov.br/, http://www.jfcampolide.com/ e http://pt.wikipedia/
Veja neste blog os outros episódios da série Praças e Ruas de Lisboa:
- Praça D. Pedro IV:
- O Chiado:
- Avenida Álvares Cabral
- Praça Bernadino Machado:
- As freguesias de Lisboa:
- Belém - Lisboa. Do Museu da Electricidade até à Praça do Império:
- Belém – Lisboa. A Praça do Império:
- Avenida Almirante Gago Coutinho e Avenida Sacadura Cabral :
- Rua Cecília Meirlles:
* Maria do Céu Carvalho Dias é formada em História pela Universidade Clássica de Lisboa
Nenhum comentário:
Postar um comentário