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Nasci no Recife, capital de Pernambuco, um dos 26 Estados do Brasil. Sou jornalista diplomada, amante da vida e de tudo que é positivo, verdadeiro e autêntico. Deixei as águas do Capibaribe, o mais famoso rio que banha o Recife. Atravessei o Oceano Atlântico e desaguei no rio Tejo, que acalenta Lisboa. E para aproximar esses dois lugares tão distantes mas com fortes ligações históricas e culturais, dei início a construção desta "ponte" Pernambuco-Portugal.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

A alimentação e os condicionalismos alimentares em Portugal


Por Maria do Céu Carvalho Dias*

“…Que formosa ciência esta (Gastronomia), que reflecte os dons e belezas dos frutos que a terra, o ar e a água põem nas mãos do homem para que os transforme, com a sua arte, em manjares que hão-de ser alimento e prazer”. José Sarrau

A história da alimentação e da gastronomia, por alguns denominada a nona arte, começa com o Homem, sobre quem o escritor espanhol Camilo José Cela (Prémio Nobel) disse ter unicamente três objectivos: comer, sexo e desejo de poder. Começou por ser caçador e recolector, passando a agricultor, pastor e produtor, progredindo até hoje. Porquê? Porque evolui física e mentalmente e também devido a outros condicionalismos, como diferenças climáticas, situação geográfica, condição social e momento histórico.

Assim, sabemos que o homem primitivo português comia carne que caçava das mais variadas maneiras, e raízes e frutos que recolhia, como podemos observar em pinturas rupestres na Península Ibérica. Também pescava peixe e mariscos, cujos restos se encontram nos Concheiros de Muge, nas margens ribatejanas do rio Tejo. Entretanto o fogo vai permitir cozinhar os alimentos, para além, claro, de servir para fazer queimadas, afugentar os animais, etc.

Quando já havia cereais, o pão começa a ser confeccionado. O pão será o elemento principal da alimentação humana, mesmo quando as dificuldades são muitas, ou quando o nível social é baixo. Por isso o descontentamento sempre existiu, quando a crise chegava, ou chega aos cereais.

A alimentação varia consoante o Homem habita junto do mar, de rios, de montanhas e de planícies. Desta maneira, mesmo Portugal – país pequenino – apresenta diferenças na culinária, como veremos a seguir. É também evidente que a diferenciação social e a vida no campo ou na cidade contribuem para dietas alimentares completamente diferentes.

Mas a História de Portugal também influenciou as comidas e a sua confecção:
Até à Expansão portuguesa a população confeccionava os produtos existentes desde a carne e o peixe até aos ovos, castanhas, cereais e legumes. O tempero podia ser o sal, o alecrim, o manjericão, o azeite e até mel, embora já se importassem as caras especiarias cravo, pimenta, canela que eram só para alguns. Comia frutas variadas, algumas trazidas pelos Árabes no século VIII. Com os Descobrimentos, a partir do século XV, o comércio desenvolveu-se muito, as permutas foram imensas e por isso vamos passar a receber especiarias mais baratas, como a pimenta, a canela, o cravinho, o açafrão, o gengibre e muitos outros produtos como o açúcar, primeiro da Madeira, depois do Brasil, o peru, o milho e a batata que vêm revolucionar a dieta alimentar. Mas atenção, porque o clima vai condicionar estes produtos. Como exemplo direi que o açúcar nunca se desenvolveu em Portugal continental; o milho deu-se melhor no norte, ao contrário do trigo já existente. A batata vai tirar o lugar à castanha que continua a ser muito importante no nordeste português. Um lombinho de porco assado no forno com castanhas é de se comer e chorar por mais! Também há receitas que são mais próprias do litoral, como a caldeirada ou o peixe assado, outras que são mais do interior do país como os pratos de cabrito ou de porco. Não esquecer ainda que só na segunda metade do século XX Portugal teve a expansão da luz eléctrica pelos sítios mais recônditos e por isso há receitas que têm a ver com esse atraso: carapau seco ou enjoado, feijoada, lombo de porco. Enfim, um sem número de pratos. Recordo-me agora do dia da matança do porco praticado em muitas casas portuguesas, por exemplo na dos meus pais, porque era uma boa fonte de alimento, até porque o sal e o unto (gordura do animal) conservavam a carne durante bastante tempo. O animal a morrer era escolhido de véspera e morto pela manhã. Era em seguida desmanchado e as mulheres iam lavar as tripas ao rio, porque segundo a tradição a água devia ser corrente e a lavagem feita sete vezes. Tudo era aproveitado no porco. Até os miolos se comiam de imediato com ovos mexidos. Para festejar o momento, reunia-se a família que almoçava caldo de morcelas (um enchido de sangue e arroz) e carne frita ou lombo de outro porco já morto há mais tempo. Não podia faltar a sobremesa: a da minha Mãe era as deliciosas farófias (claras em castelo com doce de ovos por cima).
O texto já vai longo…e nada se disse de doces! (1)

Seguem-se algumas curiosidades e duas receitas noutro episódio.

(1) Ver neste blogue: Doces Conventuais
Bibliografia – Cozinha Tradicional Portuguesa, Maria de Lourdes Modesto. O Livro de Pantagruel, Bertha Rosa Limpo e outros autores

*Maria do Céu Carvalho Dias é formada em História pela Universidade Clássica de Lisboa

6 comentários:

  1. Muito bom! Estou doida para "pegar" as suas receitas, professora.
    Anabela Aguiar

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  2. Sou lisboeta e moro no Brasil há 15 anos. Gostei muito do texto sobre alimentação. Estou curiosa para saber que receitas serão publicadas aqui.
    Parabéns!
    Maria João Tavares

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  3. Moro nos Estados Unidos e sempre viajo para conhecer outros países e culturas. Quando estive em Portugal, o prato do dia do restaurante era borrego. Por mais que o garçon me explicasse que bicho era aquele, voltei sem perceber e por receio, nao provei. A série sobre alimentação em Portugal sera importante para quem for visitar o país, que nao come só bacalhau.
    Guilherme Júnior

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  4. Professora,
    parabéns pela ótima pesquisa.
    Clarisse Dantas

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  5. Professora Céu

    Eu não devia ter lido seu texto em plena hora do meu almoço. Eu quero um lombinho de porco assado no forno com castanhas!!!
    Parabéns!

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  6. Como Patrícia, sou pernambucano da gema.
    Onde posso encontrar uma relação das comidas típicas de cada região de Portugal? Vou viajar a trabalho para o Alentejo, em Portugal. O que se come por lá? Depois vou visitar outras terras portuguesas.
    Ótimo texto!

    Felipe Nascimento

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