A editora

Minha foto
Nasci no Recife, capital de Pernambuco, um dos 26 Estados do Brasil. Sou jornalista diplomada, amante da vida e de tudo que é positivo, verdadeiro e autêntico. Deixei as águas do Capibaribe, o mais famoso rio que banha o Recife. Atravessei o Oceano Atlântico e desaguei no rio Tejo, que acalenta Lisboa. E para aproximar esses dois lugares tão distantes mas com fortes ligações históricas e culturais, dei início a construção desta "ponte" Pernambuco-Portugal.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Judeus - Singularidades/Curiosidades

Alheiras fritas com batatas e grelos

Por Maria do Céu Carvalho Dias*

Ao pesquisar sobre os Judeus, apercebi-me de que há aspectos interessantes relacionados com normas alimentares e costumes por um lado, e por outro com palavras e expressões na língua portuguesa que manifestam o modo como os judeus foram aceites, ou não, se integraram, ou não, na sociedade de então.

É do conhecimento geral que os Judeus têm várias restrições sobre alimentação impostas pela Bíblia – a Lei de Moisés -, no livro de Levítico, capítulo 11. Certamente foi por isso que os agentes inquisitoriais (denominados Oficiais e Familiares do Santo Ofício), quando revistavam as habitações dos supostos cristãos novos, procuravam o tipo de comida que existia e outros sinais que provassem ou afastassem a hipótese deles continuarem a praticar o judaísmo, embora às escondidas. Vale a pena saber que há um enchido originário do Norte de Portugal (Trás-os-Montes) - a alheira - que é feita com massa de pão com alhos e carnes variadas, como vitela, peru, pato e galinha. Segundo a tradição, a alheira foi inventada pelos Judeus para enganarem os esbirros do Tribunal da Inquisição e ao mesmo tempo cumprirem o preceito de não comerem carne de porco. Como a tradição já não é o que era, hoje também encontramos este produto à venda com carne de porco misturada e até alheiras de bacalhau!

Darei agora alguns exemplos da dieta alimentar judaica estabelecida no cacherut (ou kacherut), palavra que vem do hebraico cacher (ou kosher) e significa apropriado: podem comer todos os alimentos de origem vegetal (frutas e legumes), o peixe desde que tenha escamas e uma barbatana (os crustáceos e os moluscos não), os ovos e os cereais; a carne de mamíferos terrestres que simultaneamente ruminem e tenham casco fendido, abatidos segundo a Lei de Moisés, de modo que o animal sofra o menos possível. Quanto aos insectos há quatro espécies de gafanhotos que não são impuros; a abelha é proibida, mas o mel pode ser comido. Também existem regras relativas a determinados alimentos, como a proibição de misturar carne e leite e quanto ao intervalo entre a comida desses produtos. Para o cumprimento destas normas há fábricas e restaurantes que têm certificado, bem como Companhias de Aviação que já oferecem comida cacher (ou kosher).

A Lei de Moisés também estabelece, entre outros jejuns, um Jejum no mês de Setembro (o dia grande) em que era obrigatório seguir um ritual muitas vezes descrito por testemunhas de acusação em processos da Inquisição: “…Lavavam o corpo todo, cortando as unhas dos pés e das mãos que lançavam no fogo com alguns cabelos e também cortavam das partes pudendas. E depois de se lavarem vestiam camisa nova, que não fosse ainda lavada…” É curioso que na noite anterior ao jejum comiam do bom e do melhor, com toalha, guardanapos e loiça nova.

Há outra singularidade, relacionada com o Culto dos Mortos, também referida em processos da Inquisição: “Mandavam amortalhar seus defuntos com camisa e mortalha de pano de linho novo, cortando-lhe primeiro as unhas e alguns cabelos da cabeça e partes secretas que lançavam no fogo ao sétimo dia. E na boca da pessoa defunta metiam um grão de aljôfar ou ouro…”

No respeitante ao casamento, segundo a tradição de Belmonte, procuram que os noivos sejam ambos judeus para manter os ritos judaicos e também os pais escolhem cedo o futuro cônjuge para poder ser um bom (rico) pretendente. Não aceitam o divórcio e, para evitarem casamentos mistos, afirmavam: “Só as judias são puras, são virgens, têm honra. Não queiras uma cristã velha, pois estas costumam andar com este e com aquele…” (1)

Expressões, quadras e linguagem popular, recolhida por estudiosos, como Leite de Vasconcelos ou Nelson Omegna:
- “Fazer uma judiaria”, uma brincadeira disparatada e sem graça.
- “Esta casa cheira a breu, mora aqui algum judeu”
- “A judeu e a porco, não metas no teu horto”
- “Não se cospe em ninguém, porque só os judeus é que cuspiram no Senhor”
- “Eu bem sei que tens um filho,
Não foi de nenhum judeu:
Foi dum rapaz galante,
De melhor nariz que o teu”
- “Tirar a camisa “ a alguém significa explorá-lo. Talvez tenha a ver com a denúncia feita, se algum judeu não trouxesse o distintivo e o denunciante poder ficar-lhe com a camisa.
- “Enfiar a carapuça”, relaciona-se com a obrigação que os condenados pela Inquisição tinham de trazer um sambenito (hábito/vestuário próprio) e carapuça. Hoje é mostrar aceitar algo que se negava.
- “Passar as mãos pela cabeça” que significa perdoar, ser transigente, chegou até nós devido ao rito judaico da bênção paterna.
-. “Pensar na morte da bezerra”, quer dizer meditar não se sabe em quê. Pode estar relacionado com o recolhimento de um cristão-novo pensando na Tora, livro sagrado. Esta palavra era confundida com toura ou bezerra pelos que não conheciam a doutrina judaica.
Já que antes conhecemos a comunidade judaica de Belmonte, poderei referir que esta e a comunidade católica se mimoseavam entre si com ditos e pragas. Da cristã para a judaica:
- “Sim, desgraçado, que te ponham um morto às costas e só to tirem de cima quando falar!”
- “A rodilha do açougue te acompanhe!”
Da judaica para a cristã:
- “Que te caia uma praga de gafanhotos em cima!”
- “Um Cristo te nasça na alma com uma coroa de espinhos, cada um de metro e meio!”(etc,etc) (1)

Para concluir poderei ainda referir que ao longo dos séculos, enquanto vigorou o Tribunal da Inquisição e nos mais variados locais, sempre houve Judeus que não foram marginalizados, mas, pelo contrário, alcançaram posição de destaque na sociedade da época. Muito fica por dizer deste povo com uma cultura tão cativante.

(1) - David Augusto Canelo, “Os últimos criptojudeus em Portugal”, Belmonte, 2001

*Maria do Céu Carvalho Dias é formada em História pela Universidade Clássica de Lisboa

Leia também os três primeiros episódios da série "Judeus em Portugal " publicada pelo blog:
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2010/10/os-judeus-origem.html
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2010/10/os-judeus-em-portugal-e-diaspora.html
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2010/10/comunidades-judaicas-em-portugal.html

5 comentários:

  1. Professora Céu,
    Muito interessante o texto. A alheira parece muito com a linguiça calabresa, aquela do churrasco. Aproveitando a deixa, gostaria de sugerir para a senhora escrever sobre a origem de pratos da culinária portuguesa, como fez com a alheira.
    Eduardo Simpson

    ResponderExcluir
  2. Gostei muito da série sobre os judeus. A professora é ótima , explica de maneira clara e tem um texto leve.Parabéns!
    Camila Andrade

    ResponderExcluir
  3. Professora Céu
    Aqui no meu trabalho todos leram os textos da série sobre os judeus. Até o meu chefe, um engenheiro gente fina.
    Parabéns

    ResponderExcluir
  4. Gostei da sugestão de Eduardo Simpson. Acho que ficaria melhor ainda se a professora Céu além de explicar a origem do prato, colocasse também a receita para a gente fazer.Que acham?
    Parabéns pela série

    Natália Tavares

    ResponderExcluir
  5. Professora,
    Adoro o blog de Patrícia e tenho um xodó pelas suas aulas. Como não sei cozinhar mas adoro comer, ficarei com água na boca com suas receitas e só na vontade. Só como bem nos restaurantes pq eu na cozinha sou um horror.

    ResponderExcluir