Foto: guedelhudos.blogspot.com |
Por Maria do Céu Carvalho Dias*
Hoje dedicamo-nos à Travessa do Enviado de Inglaterra que fica na freguesia do Coração de Jesus, o número 1 do nosso mapa de freguesias (1). Porquê esta rua? Num prédio dessa artéria está instalada a Sociedade de Beneficência Brasileira em Portugal, onde ainda vivem umas senhoras idosas de origem brasileira. É esta então a razão do meu escrito, até porque a Direcção da Sociedade em colaboração com a Embaixada do Brasil em Lisboa organizaram, no dia 4 de Junho, um almoço de beneficência no Casino do Estoril. A receita é para as obras de assistência da instituição, cujas actividades de apoio social se dirigem a pessoas idosas com alojamento.
Pesquisei a origem desta “Sociedade” e a informação mais antiga que encontrei foi a de um seu Presidente, Francisco Acácio Correia, 1º Barão de Guamá (1842-1924) que casou em 1870 com Inês Chermont de Miranda, nascida em 1842 e falecida em 1923. Não sei se terá sido o fundador da Sociedade, se apenas um dos presidentes. Porquê ele? Como? Interrogações para as quais não tenho resposta. Também foi muito difícil encontrar qualquer dado sobre a origem do nome da rua, porque verdadeiramente pouco ou nada se sabe. Da Câmara de Lisboa, Divisão de Alvarás, Escrivania e Toponímia disseram-me que não existem registos de editais para este arruamento, mas que a sua localização parece corresponder à setecentista Travessa do Lázaro Verde que limitava uma Quinta dos Verdes. Quanto ao nome propriamente dito também me informaram, do mesmo departamento, que por ali viveram vários diplomatas ingleses no século XIX; mas de certeza mesmo só se conhece Lord Fitz Gerard que lá viveu em 1806. Penso que este “Enviado” nasceu em 1765 e morreu em 1833, já estando em Portugal em 1803, quando foi mediador do Príncipe Regente D. João, futuro D. João VI. Há tempos li também da possibilidade desta toponímia se relacionar com outros diplomatas como Percy Smythe, 6º visconde Strangford (1780-1855) que foi embaixador inglês em Portugal em 1806 e que em 1807 representou a Inglaterra aquando da viagem da corte portuguesa para o Brasil na sequência da Primeira Invasão Francesa. Esta Travessa, devido às modificações verificadas na zona, já só existe em parte. Pelo que li localizava-se lá, no princípio do século XX, um palácio, com parque, da família Alte Espargosa/Raposo Alte. Os habitantes da freguesia do Coração de Jesus são cada vez menos, o que certamente também acontece com a Travessa, localizando-se nela várias empresas: uma marisqueira, garagens, empresas de contabilidade e electrónica, comércio e aluguer de máquinas, comércio a retalho de artigos de papelaria e o sindicato dos Ferroviários.
Mapa de freguesias de Lisboa |
Pensemos agora um pouco na freguesia do Coração de Jesus: fica situada no coração de Lisboa, incluindo nela a Praça/Rotunda do Marquês de Pombal e parte da Avenida da Liberdade, que nasceu no século XIX a partir da Praça dos Restauradores (2). Esta zona é das que mais tem sofrido com a implantação de escritórios, empresas, hotéis e por isso a população tem diminuído. A história e o património são imensos e diversificados, razão porque os seus habitantes desejam que rapidamente se reveja a política para a freguesia de Coração de Jesus. Esta foi fundada em 1770, no chamado Bairro de Andaluz, a sul do qual ficava o rio de Valverde (no século XII) que desaguava no Rio Tejo, próximo do Rossio/Praça D. Pedro IV, já nossa conhecida (3). É difícil de acreditar! Extraordinárias mudanças! Eram terras férteis com hortas e vinhedos, abastecedores da cidade, pertencentes a várias ordens religiosas. Próximo passava uma das principais e mais antigas vias de entrada/saída de Lisboa: Do Largo de S. Domingos (próximo do Rossio), passando as Portas de Santo Antão (a Rua do Coliseu, por trás do Teatro Dona Maria II), a Rua de S. José, a Rua de Santa Marta, S. Sebastião da Pedreira, Palhavã (Praça de Espanha), Sete Rios até Benfica (4). Ao longo desta artéria vão sendo construídas casas e mosteiros e é em Andaluz que no século XIV a Câmara de Lisboa mandou edificar um bonito chafariz. No século XVII aquela artéria, juntamente com a de Alcântara e Arroios, é considerada movimentadíssima: “… A qualquer hora do dia que por ela se caminha se vê a estrada continuadamente acompanhada das cargas que entram e das cavalgaduras que saem descarregadas… comparava a estrada à das formigas da eira para o formigueiro…E não trazem um só mantimento, mas todos os que usamos para sustento, e para regalo, trazendo trigo, cevada, vinho, azeite, hortaliças, frutas de todas as sortes e de todos os tempos, leite, nata e manteiga todo o ano, cabritos, coelhos, perdizes…”. (5) O terramoto de 1755 provocou alguns estragos na zona, mas rapidamente foi feita a recuperação. Parece que nessa altura Carlos Mardel teria previsto para esta zona a abertura de ruas de traçado geométrico, como na Baixa, o que não se veio a concretizar. São as freiras de Santa Joana, que habitavam um dos conventos dali, a conseguir a criação da Freguesia (1770) com o nome de Santa Joana e mais tarde do Santíssimo Coração de Jesus. Na República, a mentalidade anti-religiosa levou à mudança do nome para freguesia de Camões, até que em meados do século XX o nome voltou ao histórico: Coração de Jesus. (6) Na freguesia existia, na rua do Salitre, uma Praça de Touros – a tourada sempre foi um divertimento dos portugueses, quer do povo, quer da nobreza – depois circo, sendo demolida em 1880. É nesta época que o Passeio Público dá lugar à Avenida da Liberdade rasgada desde a Praça dos Restauradores à Rotunda do Marquês de Pombal. Este coração de Lisboa tem sido muito maltratado e destruído, já que Lisboa se foi expandindo para Norte por todo aquele espaço. O património construído era riquíssimo, com o chafariz do Andaluz (1336), palácios e conventos do século XVII ao XIX. Desde o século XX, devido ao papel que a zona alcançou, têm sido feitas experiências arquitectónicas de relevo, umas mais interessantes do que outras.
Notas 1) Ver neste blogue “As freguesias de Lisboa”, 12 de Fevereiro. 2) Ver neste blogue “Praça dos Restauradores”, 21 de Agosto 2010. 3) Ver neste blogue “Praça D. Pedro IV”, 11 de Janeiro 2011. 4) Acompanhe no mapa das freguesias o percurso desta via: 1, 16,14. 5) Vasconcelos, Luís Mendes de, “Diálogos do Sítio de Lisboa, 1608”, in Antologia dos Economistas Portugueses. 6) http://www.jf-coracaojesus.pt/ http://pt.wikipedia/ .
Veja neste blog os outros episódios da série Praças e Ruas de Lisboa:
- Praça D. Pedro IV:
- O Chiado:
- Avenida Álvares Cabral
- Praça Bernadino Machado:
- As freguesias de Lisboa:
- Belém - Lisboa. Do Museu da Electricidade até à Praça do Império:
- Belém – Lisboa. A Praça do Império:
- Avenida Almirante Gago Coutinho e Avenida Sacadura Cabral :
- Rua Cecília Meirlles:
- Rua Alexandre de Gusmão:
http://docapibaribeaotejo.blogspot.com/2011/05/rua-alexandre-de-gusmao-lisboa.html
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- Rua Pedro Calmon:
* Maria do Céu Carvalho Dias é formada em História pela Universidade Clássica de Lisboa
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