.JPG) |
Vegetação da Serra de Sintra |
Por Maria do Céu Carvalho Dias*
Fotografias: Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias
Sintra
é uma povoação sede de um concelho próximo de Lisboa e dos mais populosos de
Portugal. Tem património construído de várias épocas históricas, bem como um
excepcional património natural. Desde cedo entusiasmou o Homem, talvez porque Sintra
está imbuída de um espírito mágico-religioso considerável. Os reis portugueses
viveram e visitaram Sintra durante muitos séculos; só no século XVIII os
palácios de Mafra e Queluz os fizeram esquecer esta zona, recuperada no século
XIX pelo romântico Fernando II, marido de D. Maria II. Eça de Queirós colocou
personagens de Os Maias a visitarem Sintra. Muitos artistas nacionais e
estrangeiros ficaram emocionados e atraídos pela ambiência destas paragens.
Glauber Rocha, cineasta brasileiro, morreu aos 42 anos, dizendo que Sintra era
um lugar belo para morrer.
A Serra de
Sintra transmite-nos um espírito mítico e simbólico com os monumentos
megalíticos; com os nomes que lhe estão associados – Mons Sacer ou monte
santo, Monte da Lua; pode-se considerar um pólo religioso da região saloia
abastecedora de Lisboa, que olha o céu e vê o mar a dois passos; com a ocupação
romana, de que frutificam resíduos de Villae senhoriais, enriquecidas
por múltiplos espólios arqueológicos, em que se destacam São Miguel de
Odrinhas; com a época muçulmana, que legou as azenhas, o linguajar, e,
sobretudo, o “Castelo dos Mouros”. Esta fortificação terá sido erguida
quando os árabes chegaram a Sintra (século VIII e IX) e lhe chamaram Xintara,
Xentra ou Shantara.
 |
Castelo dos Mouros |
Mais tarde Sintra é conquistada por D. Afonso
Henriques (Século XII), recebe carta foral estabelecendo-se então o concelho de
Sintra que se desenvolve cada vez mais. A propósito quero recordar lendas de “mouras
encantadas”, como a da origem do local “Seteais” que é um palácio
construído no século XVIII numa das extremidades da povoação e donde se abarcam
panorâmicas lindíssimas, desde que não haja nevoeiro. Segundo esta lenda, após
a conquista aos árabes, um dos primeiros cavaleiros cristãos a subir a serra de
Xentra foi D. Mendo de Paiva que encontrou uma porta secreta por onde fugiam
vários mouros. Com eles fugia também uma moura muito bonita com a sua velha
aia. Quando viu o cavaleiro, a jovem suspirou. A aia pediu-lhe que não
suspirasse mais. D. Mendo resolveu fazê-la prisioneira e ela voltou a suspirar.
Este novo suspiro fez com que a aia contasse que a bela moura tinha sido
amaldiçoada por uma feiticeira e que morreria no dia em que desse sete ais.
Novo suspiro é dado pela jovem, mas como o cavaleiro não acreditou na história
a moça dá outro suspiro. D. Mendo anuncia que as vai fazer prisioneiras e novo
suspiro se ouve. Entretanto o cavaleiro afasta-se e surgem árabes que se
preparam para levar as duas mulheres, mas antes cortam a cabeça à velha e a
moura dá mais um ai (o sexto). O sétimo foi quando a jovem moura percebeu que
também lhe iam cortar a cabeça. O cavaleiro cristão ficou muito desgostoso e
deu àquele lugar o nome de Seteais que ainda hoje perdura.
.JPG) |
Palácio Nacional de Sintra (Paço Real ou Palácio da Vila) |
Toda esta região está ligada
a lendas de gigantes que se prendem com as origens de Portugal e que são
reforçadas com a presença constante da Corte, desde o rei D. João I, no Paço
Real da Vila que foi sendo remodelado ao gosto gótico, manuelino e
islâmico. Muito interessante é encontrar neste paço espaços de sobrevivência
islâmica como lagos, fontes e pátios ou toponímia como “Terreiro de Meca”.
Lembremos a Sala dos Árabes, uma sala antiquíssima revestida de azulejos
sevilhanos do século XV e uma fonte de mármore. Há também uma sala no 1º andar
que nos recorda uma parte triste da História de Portugal do século XVII: um rei
– D. Afonso VI – que não soube governar, foi deposto e preso até morrer aqui no
Paço de Sintra.
Passemos agora
ao cume da Serra de Sintra onde D. Manuel mandou erguer em 1511 o Mosteiro
hieronimita de Nossa Senhora da Pena, também denominado “conventinho”.
Outra vez “os ecos duma lenda antiga que nos conta que, andando D. Manuel a caçar
pelo alto da serra e preocupado com novas da viagem de Vasco da Gama à Índia,
avistou, de um dos picos onde existia uma ermida dedicada a Nossa Senhora da Penha,
a nau de Nicolau Coelho a entrar a barra do Tejo. Pela graça concedida, o rei
mandou construir o Mosteiro que mais tarde muito sofrerá com o terramoto de
1755.
.JPG) |
Palácio da Pena |
“Depois, muito
depois, houve um príncipe da Baviera que teve um sonho. Chamava-se D. Fernando
de Saxe Coburgo-Gotha e casou em 1836 com a nossa rainha D. Maria II, filha de
D. Pedro IV de Portugal, o Pedro I, 1º imperador do Brasil. Homem detentor de
uma sensibilidade invulgar e apurado gosto, adquiriu, a expensas próprias, as
ruínas do antigo cenóbio (o conventinho) e toda a mata circundante, incluindo o
Castelo dos Mouros. Mandou plantar o fabuloso Parque da Pena, verdadeiro
museu botânico que contém espécies das mais variadas partes do mundo. Idealiza
com o arquitecto prussiano barão de Eschewege um palácio mítico-mágico,
baluarte do romantismo e revivalismo do século XIX.” Os apontamentos
decorativos transmitem-nos muito do espírito da época influenciado por
organizações secretas e ritualistas que vêm dos Irmãos Rosa-Cruz (século XVII),
ou até mesmo dos Templários e da Maçonaria. Até os jardins e as estátuas que os
decoram sofreram influências destes ideários. Não esqueçamos a origem alemã e a
mentalidade germânica deste rei-consorte ou rei-artista: com ele chegou a
Portugal a árvore de Natal e as decorações natalícias, como abetos e romãs, que
hoje tanto apreciamos. O próprio Rei se vestia de S. Nicolau (o Pai Natal) e
distribuía os presentes aos seus filhos.
.JPG) |
Chalet da Condessa d’Edla |
D. Maria II
morre (1853) muito nova e D. Fernando acaba por casar com a reputada cantora de
origem alemã – Elisa Frederica Hensler - Condessa d’Edla depois de ter recebido
o título do Príncipe Ernesto II de Saxe. Tal como D. Fernando, era amante do
Parque de Sintra e colabora com ele em inovações, como a vinda de espécies
botânicas da América do Norte, onde vivera. É de sua autoria a planta de um
Chalet, o Chalet da Condessa d’Edla que abriu agora ao público e cujo
estilo arquitectónico é curiosíssimo e em cuja decoração é usada a cortiça.
Em Sintra as
quintas, os chalets e os palacetes são a moda, por isso vamos encontrar, entre
outros, o Parque e Palácio de Monserrate e a Quinta da Regaleira. Monserrate
recebe no fim do século XVIII a construção de um palacete ao estilo neo-gótico;
mas é o segundo arrendatário - Francis Cook -
que manda construir o pavilhão de
gosto orientalizante, que hoje podemos visitar, a par dos jardins com uma
variedade imensa de espécies botânicas, lagos e espaços para festejar o
romantismo do século XIX e a beleza natural no século XXI.
 |
Quinta da Regaleira |
A Quinta da
Regaleira foi edificada no princípio do século XX ao sabor romântico e com
construções nascendo no meio duma floresta luxuriante; é o resultado dos sonhos
mito-mágicos do seu proprietário António Carvalho Monteiro (o Monteiro dos Milhões)
e do arquitecto italiano Luigi Manini. Aqui encontramos as variadas correntes
artísticas aliadas à glorificação da história nacional influenciada pelas
tradições míticas e esotéricas.
É difícil
descrever este espaço. É um lugar para se sentir. É necessário visitar e
conhecer a cenografia dos jardins e das edificações, percorrer o Parque
exótico, sentir a espiritualidade cristã na Capela da Santíssima Trindade e
descer à sua cripta. Há espaços em profusão e feitos de lendas.
Para culminar
uma visita deste tipo pode-se ainda descer por uma imensa escadaria em espiral
ao monumental poço iniciático invocando os cavaleiros templários ou os mestres
da maçonaria, ou respirar ar puro ao mesmo tempo que se olha o horizonte.
Se estiver em
Sintra à hora do lanche não deixe de comer ou comprar umas queijadas e uns
travesseiros, especialidades locais.
Fontes:
- Guiões de visitas
de estudo de alunos da Escola Secundária de Sampaio, Sesimbra a Sintra. História
da Arte em Portugal, volumes 5 e 10. Lisboa Manuelina (1495-1521),
Instituto Português de Museus.
-
Camara Municipal de Sintra: http://www.cm-sintra.pt
*
Maria do Céu Carvalho Dias é formada em História pela Universidade Clássica de Lisboa e junto com Miguel Nuno Carvalho Dias edita o blog Covilhã subsídios para sua história